Domingo, Dia dos Pais, e mais uma coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado e diretor da Fla Manguaça Walter Monteiro.
O tema de hoje é uma análise sobre os contratos que regem a relação trabalhista dos jogadores de futebol. Claro, a foto é de Afonsinho, o primeiro jogador a se conscientizar da explorasção vivida no meio, no início da década de setenta.
“CONTRATO DE JOGADOR DE FUTEBOL – UMA ABORDAGEM CRÍTICA

O futebol chegou ao Brasil pelas mãos de Charles Miller no final do século retrasado, mas a primeira lei a tratar especificamente dos direitos trabalhistas de atletas de futebol só foi editada em 1964, quando os jogadores passaram a ter direito de receber 15% da receita obtida pelos clubes com a sua comercialização, o popular “passe”. E só em 1976, com o país já tricampeão e estrela máxima do esporte, os atletas passaram a ter uma completa legislação específica – a Lei 6.354/76, ainda em vigor em sua essência.

O contrato de trabalho do atleta de futebol guarda remotas relações com a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, aplicável aos demais trabalhadores brasileiros. A regra geral das relações de trabalho pressupõe, por exemplo, o princípio da isonomia entre os trabalhadores, tanto assim que é possível reivindicar a equiparação salarial sempre que um empregado exerça a mesma função que o outro e receba mais por isso. Como compatibilizar esse princípio entre atletas? Seria possível admitir que um Manguito recebesse o mesmo que um Zico? Ou, para ficar em um exemplo mais contemporâneo, que um Obina recebesse o mesmo que um Ronaldo Fenômeno?

É obrigatório que haja um contrato escrito, com um prazo mínimo de 3 meses. Em relação ao prazo máximo, antes havia uma limitação de 2 anos, mas essa restrição atualmente só é válida para o primeiro contrato assinado pelo jogador, com o clube responsável por sua formação. Daí em diante, o atleta é livre para celebrar contratos mais longos. A idade mínima exigida para o primeiro contrato é de 16 anos.

Ao contrato de atleta profissional se aplicam os direitos trabalhistas usuais, como férias, 13º, etc. Anteriormente à Lei Pelé, até a jornada de trabalho sofria a limitação semanal de 44 horas.
 

Em paralelo ao contrato de trabalho, os atletas de elite costumam assinar um contrato chamado de “direito de imagem”. Este contrato pouco tem a ver com modernas iniciativas de gestão de marketing e licenciamento, mas muito tem a ver com as arcaicas práticas do “jeitinho brasileiro”.

Para quem ganha muito, sobre o contrato de trabalho incide Imposto de Renda na alíquota de 27,5% e o empregador fica obrigado a recolher a contribuição previdenciária sobre o total da remuneração – grosso modo, isso faz com que o clube gaste uns 25% a mais com o jogador. Então ambos se unem no louvável propósito de enganar o Fisco, o jogador funda uma pessoa jurídica de fachada e essa empresa passa a receber os tais “direitos de imagem”, que acaba sendo a parte mais substancial da remuneração.

A desvantagem – e o jogador raramente se dá conta disso – é que essa parcela da remuneração fica totalmente desprotegida dos direitos trabalhistas, o que pode ser um embaraço em caso de atrasos no pagamento, demissões por justa causa e outros dissabores.

Para quem ganha uma fortuna, isso não costuma fazer nenhuma diferença. Mas, ao contrário do que o senso comum indica, a vida dos atletas profissionais de futebol é duríssima. Dados do Departamento de Registro e Transferência da CBF revelam que mais de 80% dos atletas recebem até dois salários mínimos – aliás, mais de 40% recebem apenas o salário mínimo, menos do que ganhariam se trabalhassem como contínuos, auxiliares de limpeza ou serventes na construção civil. Ganhando mais de 20 salários mínimos, só 3% da categoria.

Isso mostra que a realidade trabalhista dos jogadores de futebol é muito semelhante à da população em geral, imperando a alta concentração de renda para uns poucos felizardos e salários bem achatados para a imensa massa. Só que, ao contrário do servente, do contínuo e do auxiliar de limpeza, o atleta profissional de futebol tem uma carreira curta e nenhuma possibilidade de ascensão, pois se o servente ainda pode virar mestre de obras, o jogador começa e se aposenta jogador – só os tops conseguem contornar a exigência da Lei 8.650, que assegura o exercício da profissão de treinador de futebol aos profissionais de educação física.

Via de regra, os clubes de futebol são péssimos empregadores. Um levantamento de 2008 apontou que 10 clubes da primeira divisão tinham quase 3.000 processos contra si – só o Botafogo respondia por 723 demandas. Nessa seleta lista, engrossada por Flamengo, Fluminense, Vasco, São Paulo, Palmeiras, Corinthians, Santos, Atlético Mineiro e Cruzeiro, trabalha a nata do segmento.  O que dizer do resto?

No Piauí, por exemplo, o Ministério Público do Trabalho precisou intervir, porque os clubes somente contratavam na época dos campeonatos, sem qualquer vínculo formal e ainda tinham o descaramento de condicionar o pagamento dos jogadores à arrecadação das partidas, que imagino ser bem modesta, dado que estamos falando de enfrentamento de potências futebolísticas como Cori-Sabbá e Oeiras.

Toda vez que falo de futebol, algo que só devo fazer menos do que escovar os dentes, sempre tem um gaiato para se lamentar ter estudado tanto para ganhar tão pouco, quando um analfabeto pode ficar milionário. Eu lembro a ele que agradeça aos céus a chance de ter podido estudar e poder ao menos ter uma remuneração digna.  Porque, para cada Kaká ou Robinho, existem milhares de exemplos como o do goleiro Azul, que demitido do Treze de Campina Grande depois de meses sem receber salários, teve que vender seu aparelho celular para conseguir comprar uma passagem para ir a audiência cobrar seus direitos.”