Em nosso final de semana especial, a coluna “Formaturas, Batizados e Afins” trata de um tema que me é muito caro: histórias de superação pessoal, de vencedores.
Como sempre, texto do Professor de Biofísica da UFRJ Marcelo Einicker.

“A semana que passou foi mais diretamente relacionada às Mães, e uma reportagem do Globo Repórter da TV Globo na última sexta, me leva hoje a trazer para esta coluna 3 estórias de jovens que fizeram do estudo e da Ciência, instrumentos poderosos de inclusão social e de transformação de uma realidade.

Um filho de ouro, de uma mãe exemplar



O que pode esperar desta vida um rapaz negro, órfão de pai, morador do subúrbio de uma capital do Nordeste e filho de uma catadora de lixo? Provavelmente, sendo politicamente correto, um futuro de muitas dificuldades. Sim, mas o que não se prevê nestas estórias é o poder que a orientação, que a dedicação e que a disciplina podem exercer e virem juntas a mudar um destino… uma vida. Infelizmente na nossa primeira estória o final não é feliz. O jovem em questão foi covardemente assassinado por bandidos que o confundiram com outro rapaz que queriam matar… e assim destruíram um exemplo de superação, mas não deixarão que seja esquecida esta estória que resumo agora.



Uma catadora de lixo em Recife, Pernambuco. Dona Maria Luiza Ferreira do Nascimento, 4 filhos e toda dificuldade do mundo para criá-los. Desde sempre, apesar de pouca ou nenhuma instrução, deixava nos filhos a semente de que precisavam estudar, pois só através do estudo poderiam vir a ter um futuro melhor. Apesar de estar envolto em violência e drogas como se vê na maioria das periferias e favelas de nossas cidades, Alcides do Nascimento Lins sempre se dedicou aos estudos, mesmo nas horas em que não estava no colégio público onde estava matriculado em Recife. Com toda dificuldade, sem nenhuma facilitação por programas de cotas que tantos defendem, Alcides se inscreveu no vestibular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e foi aprovado em primeiro lugar para o curso de Biomedicina.



O sonho de sua mãe, esta brasileira de grande valor Dona Maria Luiza, começava a se realizar. Já matriculado, Alcides teve sua estória de vida divulgada por todo Brasil, e já nos primeiros períodos da faculdade, começou a fazer estágio num Laboratório de Pesquisa da UFPE e assim começou a receber uma bolsa de Iniciação Científica. Eram os primeiros passos de Alcides em direção a uma vida melhor, graças ao estudo e a orientação que recebeu de sua mãe. No final de 2010, Alcides se formaria e muito provavelmente alcançaria uma vaga no Mestrado, depois o Doutorado e em menos de 10 anos aquele jovem rapaz, negro, órfão de pai, morador do subúrbio de Recife e filho de uma catadora de lixo teria um futuro completamente diferente do que se poderia imaginar. Mas infelizmente, Alcides foi assassinado e não teremos o prazer e o orgulho de ver o final desta linda estória, pelo menos não com Alcides. Mas, Dona Maria Luiza já tem outra realização. Sua filha mais velha também foi aprovada para a UFPE no curso de farmácia e as duas outras filhas também conseguiram financiamento pelo PRO-UNI para cursarem a Faculdade. E assim esta brasileira com B maiúsculo e com toda sua humildade, nos ensina que é preciso educar nossas crianças e mostrar para eles que o saber pode ser um poderoso elemento transformador.



Dos balcões, para as bancadas:



Nossa segunda estória de inclusão pela Ciência tem como personagem principal outro jovem, negro, morador do subúrbio carioca de Oswaldo Cruz; que também graças a sua dedicação aos estudos teve mudada a estória de sua vida. Por não ter autorização dele, não colocarei seu nome, apenas o chamaremos de AG. Filho de família humilde, AG estudou em colégios públicos, mas sempre com extrema dedicação. De novo sem as facilitações de programas de cotas AG foi aprovado no vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde passou a cursar Biologia.


As dificuldades impostas pela condição social de sua família, fizeram AG procurar um emprego para complementar a renda familiar, e assim ele conseguiu uma vaga numa rede famosa de fast-food. Estudava na UERJ em tempo integral, e ao final da tarde ia direto para a lanchonete localizada na Avenida Brasil, na região de Bonsucesso. Imaginem a vontade deste rapaz em vencer todas as adversidades para conseguir seu lugar ao sol e de novo, tendo o estudo e a Ciência como elemento transformador.

Uma noite, AG estava lá na lanchonete quando dois homens chegam para lanchar. Um deles, professor da UFRJ e o outro um diferenciado aluno de Doutorado. Chegam ao balcão, fazem os pedidos e começam a ser atendidos por AG, que sem poder evitar, ouve a conversa deles e percebe estarem falando de experimentos que estavam fazendo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ali bem perto daquela lanchonete. Sem titubear, AG começou a participar da conversa, e deixou os dois pesquisadores muito bem impressionados ao verem que aquele rapaz, atendente de balcão, tinha uma base em biologia muito boa; e foi aí que surgiu o convite por parte do professor para que AG o procurasse na UFRJ, pois ele lhe daria um estágio e uma bolsa de iniciação científica.

No dia seguinte lá estava AG, iniciando de vez a guinada em sua trajetória de vida. Ele se formou, se inscreveu em uma pós graduação de excelência na UFRJ e foi indicado diretamente para o Doutorado. Terminou o doutorado e foi para um pós-doutorado nos EUA num grupo muito forte em seu tema de interesse. Passados 14 anos, AG é hoje professor em uma universidade americana que recentemente teve um de seus pesquisadores laureado com o Prêmio Nobel. O jovem rapaz do subúrbio carioca deixou o balcão da lanchonete e passou a ser um dos mais produtivos pesquisadores de sua idade com artigos científicos em revistas de grande impacto como Science e Nature. Novamente a Ciência e a dedicação ao estudo transformam a realidade de um brasileiro e de sua família.

Investimento que dá retorno:



A última estória não é de um rapaz negro, mas ainda de um jovem pobre do subúrbio do Rio de Janeiro que teve orientação dos pais para não deixar os estudos de lado e tentar com isso uma melhor condição de vida. Também por não ter autorização do personagem principal, chamarei-o aqui de WS. Desde muito cedo, WS tinha grande fascinação pela Ciência, e uma visita de sua escola pública a UFRJ fez com que esta fascinação se transformasse em determinação. Determinação para fazer da Ciência o elemento transformador de sua estória. WS foi aluno de um curso de verão muito famoso na UFRJ onde teve chance de interagir com professores e alunos de pós-graduação, o que lhe propiciou a certeza de querer seguir aquele caminho na sua vida profissional. Um pedido ao chefe do laboratório onde o curso se realizava, e a disponibilidade de bolsas especiais da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, no programa “Jovens Talentos”, foram o início da trajetória de WS. Este programa de bolsas, incentiva alunos ainda no segundo grau ou nível médio, a estarem em laboratórios de pesquisa em diferentes instituições do Rio de Janeiro. WS foi também incentivado a se inscrever no vestibular, e teve êxito logo em sua primeira tentativa entrando para a UFRJ onde cursou Biologia.




Depois de formado, WS foi selecionado no programa de mestrado, fez o doutorado e passou uma temporada fora do Brasil, em Universidade Americana onde teve chance de se aperfeiçoar e publicar alguns importantes artigos. De volta ao Brasil, WS se inscreveu num concurso para professor na mesma Unidade da UFRJ onde ele havia chegado como um pequeno aluno de nível médio que era fascinado por Ciência. Aprovado, WS lidera uma equipe de pesquisadores e orienta dissertações de mestrado e teses de Doutorado, fazendo com que uma espécie de ciclo se feche: todo investimento feito nele, desde quando era um aluno de nível médio, é agora vetor de formação de novos pesquisadores, capacitando outros jovens a ingressarem na vida acadêmica e na pesquisa científica.

Um campo aberto de oportunidades:



Certa vez um colega de laboratório disse uma frase relativamente simples, mas muito profunda: “Se alguém quer crescer e vencer na vida tem que estudar. Estudar muito! Pois podem roubar tudo da gente, menos aquilo que aprendemos”. Esta é uma grande verdade, e os três casos contados nesta coluna são pequenos exemplos de como a dedicação ao estudo e de como a inserção na Ciência podem ser um poderoso instrumento de inclusão social e de transformação de vida de centenas de brasileiros. Os exemplos que usei são da área de ciências biológicas, mas com toda certeza existem exemplos em todas as áreas do conhecimento. Pessoas “condenadas” a um futuro sombrio por razões étnicas, sociais ou etc, mas que mudaram esta realidade através do estudo. Muito se fala em mecanismos para facilitar a entrada de jovens nas Universidades, quando deveríamos estar pensando em mecanismos que fortalecessem o ensino básico e o ensino médio, que aí sim, dariam o suporte necessário para que mais brasileiros, principalmente de regiões carentes de nossas cidades, conseguissem por seus méritos, estudando e se dedicando, alcançarem a tão sonhada vaga na Universidade pública. Um planejamento em médio prazo poderia incrementar a inserção de jovens em áreas carentes como a Matemática, a História e tantas outras, onde outros Alcides, AG e WS poderiam reescrever seus destinos e por tabela, os destinos de suas famílias.



Até a próxima!



Marcelo Einicker Lamas”




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