O Rio de Janeiro amanheceu hoje impactado e chocado pelo deslizamento ocorrido em Niterói, onde mais de cinquenta casas foram arrastadas pelo deslizamento de um morro (foto). Todos os recursos possíveis e imagináveis estão sendo deslocados para lá, a fim de resgatar possíveis sobreviventes. No momento em que escrevo cerca de 50 pessoas foram retiradas com vida, felizmente.
Dentro deste cenário de catástrofe não podemos deixar de comentar a sucessão de absurdos ocorrida ontem envolvendo a decisiva partida pela Taça Libertadores a qual o Flamengo está envolvido.
Antes de mais nada: não deveria sequer haver jogo. Mas há o problema de datas e, se este é o caso, que se faça a partida em um horário e um local que cause o mínimo de transtornos.
Uma partida de futebol necessita de um aparato de poder público: policiamento, ambulâncias, bombeiros. Além disso, o Maracanã e seu entorno sofreram grande prejuízo com a chuvarada, o que levou a grandes danos não somente no gramado quanto na estrutura do estádio e seu entorno. A foto abaixo dá uma idéia do estado na terça feira à tarde:
Ou seja, necessitou-se de um grande esforço para deixar o estádio em condições mínimas para a realização da partida, utilizando-se de homens, máquinas e recursos financeiros que seriam muito mais úteis em outras áreas da cidade. Um jogo de futebol não é nada perto de vidas que perecem.
Havia se chegado a um acordo preliminar para a partida ser hoje à noite no Engenhão, que sofreu poucos danos e não necessitaria de uma “força tarefa” para sua adequação. Entretanto a rede de televisão detentora dos direitos da competição impôs a partida no Maracanã às dezesseis horas, pois era o único horário em sua grade no qual poderia mexer tanto na televisão aberta como no canal especializado em esportes.
O governo do Estado já havia anunciado a não realização da partida, mas dirigentes de tal rede fizeram gestões junto ao governador e impuseram a sua vontade. Parece ser um caso claro de “advocacia administrativa”, algo que não pode acontecer no serviço público.
Além de se utilizar recursos mais necessários em outras áreas da cidade, o estádio está longe das condições ideais para a realização da partida, como podemos ver na foto acima tirada agora pela manhã. O público será muito pequeno por ser um horário de trabalho e o clube carioca perde a vantagem teórica do mando de campo, além de ter de arcar com o prejuízo da abertura do Maracanã.
Lembro aos amigos que em caso de empate ou derrota – escrevo antes da partida – o Flamengo estará praticamente eliminado da competição, amargando imensa perda financeira e esportiva. E aí, quem paga ?
O pior de tudo foi em debate no Twitter ontem muitos terem defendido a postura da emissora de impor a ferro e fogo seus interesses sob o argumento de que “ela paga, ela pode tudo”. O poder do mercado e do dinheiro se sobrepondo a todas as outras questões envolvidas na vida humana.
Valores como ética, bom senso e solidariedade não importam perante o poder do mercado. Tudo pode ser comprado, quem tem dinheiro tem valor e quem não tem, que se dane ou morra. O individualismo levado às últimas instâncias sob a égide do “deus mercado”.
Pessoalmente, é com muita tristeza que vejo este fenômeno em nossa sociedade. Esta apologia do individualismo, da competição extremada e do egoísmo possuem grande parcela na deterioração das condições de vida e especialmente de convivência humana a que assistimos hoje.
Amizades são soterradas por tostões. Assassinatos perpetrados por motivos fúteis. E se eu tenho dinheiro nem preso vou. A apologia ao mal, desde que traga retorno financeiro.
Esta barbárie em que se está transformando a sociedade brasileira acompanha o fenômeno do “neo-liberalismo” dos Anos 90, que foi estancado no plano de políticas públicas mas altamente incentivado em termos individuais. Seu valor no mundo não vem de suas características ou qualidades, mas de seu poder de consumir.
O apoio demonstrado por parte da classe média e por toda a grande imprensa a um projeto de governo diretamente excludente e que trata os brasileiros não como iguais, mas diferentes de acordo com a sua classe social e seus recursos financeiros é uma boa medida disso. A apropriação do Estado para interesses particulares é característica desta tendência.
Lamento imensamente tais fatos. Lamento a insanidade que é esta partida de futebol. Lamento o absurdo de colocar decisões de alocações de recursos públicos a cargo de interesses comerciais privados.
Acima de tudo lamento a espetacularização da tragédia, que se torna apenas o caminho para uma maior audiência e por consequência melhores contratos publicitários. Também não podemos notar a absoluta indiferença com que muitos estão lidando com os desagradáveis acontecimentos desta semana. Mais preocupadas com as consequências individuais e os dividendos políticos a serem auferidos que com o drama de quem perdeu um filho, uma mãe, um pai.
Sinceramente, não sei o que é pior. Só posso deixar registrado o meu protesto com toda esta situação e a minha solidariedade à dor dos que perderam seus entes queridos e seus abrigos.
Pelo menos eu ainda tenho Fé.
Pedro, sou solidária a sua indignação diante de tais fatos. É realmente uma vergonha essa máquina comercial!
Ninguem está aqui pra fazer caridade, Vivian. A Globo possui acionistas, que investem dinheiro. Possui compromissos com anunciantes. Possui funcionarios a pagar, contas a pagar – não é uma empresa estatal onde quem paga as contas é o cidadão, através de impostos.
Se ela compra os direitos de transmitir uma competição como a Libertadores, é natural que tenha o direito de escolher o horário que melhor atenda a seus interesses comerciais.
Não adianta as pessoas gritarem, baterem pezinho, xingarem etc, que a Globo tem o propósito sim, de dar lucro, de ganhar dinheiro.
Além disso, muito tem sido espalhado por aí que esse episódio da mudança do horario do jogo para as 16h foi “culpa” unica e exclusivamente da Globo. A verdade não é bem essa, pelo que temos lido. O principal responsavel pela remarcação da data, para as 16h e ainda por cima no Maracanã, foi o governador Sérgio Cabral – interessado em não manchar a imagem positiva do Maracanã como palco realizador de eventos como a Copa e Jogos Olímpicos Rio 2016. O Flamengo tambem quis realizar logo o jogo – ainda na quarta-feira – de modo a não atrapalhar a preparação para o jogo contra o Vasco.
Portanto, é preciso termos serenidade em avaliar “culpados” e não jogar tudo na Globo, como se ela fosse responsavel, inclusive, pela quantidade de chuva que caiu no Rio.
Outro fator que faz cair por terra a hipótese de “malvadeza” da Globo, em realizar o jogo no Maracanã, na quinta-feira, às 16h é o fato de que pra Globo, tanto faz transmitir um jogo do Maracanã, como tambem do Engenhão. Pq não fizeram o jogo no Engenhão, como cogitado?
Óbvio que o governador bateu o pé para ser realizado no Maracanã. Para a imagem do Brasil lá fora, o Maracanã inundado seria uma humilhação. Então, é mais bonito mostrar a “rapidez” e eficiência do Rio em preparar o estadio em menos de 24h pra realizar o jogo.
Fabrício, esta é uma postura perigosa. O pensamento de que “se eu tenho dinheiro, eu posso tudo” leva à barbárie na vida em sociedade. Até crimes podem ser cometidos e se justificam se eu tenho dinheiro.
quanto à tv, tive pelo menos dois relatos dando conta de que hora e local do jogo foram impostos pela tv.
Vc mudou a linha de raciocinio, desvirtuando o que estamos discutindo. Não é “se eu tenho dinheiro”… o correto é “se eu pago”. A Globo paga muito caro para transmitir carnaval, Copa, Olimpíadas… logo, ela transmite o que quiser, de acordo com a conveniencia que lhe for melhor.
Isso nao é privilegio da Globo. Lembre-se que em 1984, a Rede Manchete comprou e transmitiu sozinha o carnaval carioca. A transmissao foi ótima, maravilhosa etc etc etc, mas quem nao gostava da Manchete, tambem teve que “engolir”, não é mesmo?
A Record comprou os direitos de transmissão, para TV aberta, dos Jogos Olímpicos 2012. Exclusividade, sozinha.
Isso não é malvadeza da Globo. É leviano quem disser que só a Globo impõe e estipula horarios. Qualquer emissora, que estivesse em seu lugar, faria isso.
Mas o “mercado” é assim, meu caro. Quem quiser o contrario, que viva num país socialista, onde acontece até pior do que isso: um ditador (como Fidel, Stalin, Mao etc) é que decidem por você. rs
Bem, vc esta mudando a linha de raciocínio q estamos discutindo. Não é “se eu tenho dinheiro, eu posso tudo”. O correto é: se paguei (caro) por algo, tenho direito.
Qualquer emissora, no lugar da Globo, faria o mesmo. É leviandade alguem dizer q não.
A Manchete comprou a exclusividade do carnaval carioca em 1984. A Record comprou os direitos exclusivos, para TV aberta, das Olimpíadas 2012. A Band transmite sozinha a Formula Indy… A vida é assim.
Que bom que ainda vivemos num estado democrático e capitalista, sujeito às leis do mercado, onde vale a lei da oferta e procura. Pior seria se vivêssemos num regime socialista, onde um ditador decidisse por nós, como acontece em Cuba: uma TV apenas, passando o discurso oficial do Governo, que por sua vez, censuraria tudo que não fosse benéfico a seus interesses.
Não, Fabrício, eu apenas extrapolei para outro fenômeno que sim me preocupa, a percepção individual de que o poder do dinheiro se sobrepõe a todas as coisas.
Agora, não é bem o Lula que manda demitir jornalistas que lhe fazem oposição…