Nossa seção “Resenha Literária” está bastante atrasada, mas aos poucos vou colocando aqui as leituras feitas quando do estágio em Salvador.
O livro analisado é bastante apropriado a um dia como hoje, pois fala de história, religião, grandes navegações, colonização judia, Santa Inquisição – que de santa não teve nada – tramas políticas de reis e rainhas e um povo como fio condutor deste caldo de cultura todo.
Falo de “O Português que nos pariu”, da escritora Ângela Dutra de Menezes. O livro, originalmente de 2000, teve uma segunda edição ampliada no ano passado e é esta que é objeto de nossa resenha.
Em um texto bastante leve e com uma ironia bastante fina perpassando todo o livro a leitura é agradável e em muitos momentos bastante engraçada. A autora passeia pela fundação de Portugal, mostrando os povos e as influências que geraram o povo português, sua língua e sua formação como nação.
Uma das facetas mais interessantes dos textos é a história da colonização do Brasil pelos chamados “judeus sefarditas”, fugitivos da Santa Inquisição espanhola e que encontraram abrigo em Portugal. Entretanto, com a chegada desta a terras lusitanas muitos destes judeus fugiram para o Brasil a fim de escapar da fogueira, colonizando áreas distantes do litoral àquela época – como a Baixada Fluminense e as expedições dos bandeirantes. Basta lembrar que o cemitério judaico mais antigo do Brasil é o de Vila Rosali, que fica em São João de Meriti – Baixada Fluminense.
Muitos dos sobrenomes mais comuns em nossa terra são derivados destes judeus, bem como parte considerável de nossa cultura. Outro ponto curioso é que em Portugal eles se “convertiam” ao Cristianismo mas apenas para consumo público: privadamente continuavam professando a religião judaica, sob “vistas grossas” dos reis portugueses. Tal arranjo mudou com a chegada da Santa Inquisição a terras portuguesas e, mais ou menos na mesma época, à quebra do Tesouro; o que levou o governo a apoiar tais processos a fim de se apropriar dos bens judeus.
Outra história bem interessante é sobre a unificação do país e a gana que os exércitos tinham pela degola dos opositores. A autora trata inclusive de uma ordem religiosa que tinha como prática na guerra tal ato – inclusive com um santo destinado aos cortadores de gargantas.
Interessante também é a história das Grandes Navegações portuguesas. Pedro Álvares Cabral, por exemplo, não era um exímio navegador mas foi colocado como comandante da expedição que tomaria posse do Brasil – a autora defende com teses bem consistentes que os portuguesas já sabiam da existência de terras que posteriormente seriam chamadas de brasileiras. Obviamente os comandantes das treze naus eram navegadores experientes de forma que Pedro Álvares Cabral fosse uma espécie de “rainha da Inglaterra”. Também é relatada a desgraça com que ele foi recebido na volta, por terem sobrado apenas três caravelas e perdido alguns comandantes bastante experientes da esquadra. A propósito, as cores do Brasil na verdade são as cores da Casa Real de Bragança, que comandou Portugal por três séculos.
Também são muitos bons os perfis de reis traçados no livro. Descobre-se que o Rei Sebastião possuía traços visíveis de megalomania e um profundo misoginismo. A invasão ao Marrocos comandada por ele tinha tudo para dar errado, e resultou não somente na morte do Rei como na dizimação de boa parte da nobreza do país à época. Como resultado não somente o país foi anexado à Espanha como o “sebastianismo” se enfronhou de forma decisiva na alma lusitana.
Perfil também bastante interessante é o de D. João VI e sua imensa habilidade política, ao contrário da fama histórica de “paspalho comedor compulsivo de frangos assados”. Destaque para o fato dele ter frustrado todas as tentativas de D. Carlota Joaquina em empreender algum tipo de poder real no Império, bem como ter sido o único soberano europeu continental a não ter sido preso ou dominado por Napoleão.
Obviamente aqui não esgoto as boas histórias que o livro conta, mas é leitura bem interessante. Instrutiva e divertida. Na Livraria da Travessa custa R$ 32.
Completando, apresento abaixo o mapa de Waldseemuller, feito em 1507 e que já traz um retrato bastante próximo ao correto da América. Tal mapa é um dos indícios que mostram que a esquadra de Cabral já sabia o que iria encontrar em sua expedição. Esta história de “calmaria”, “acaso” e que tais é lenda.