Mais uma sexta feira, e com ela a nossa coluna sobre cinema, assinada pelo crítico e cineasta Marcelo Ikeda. Como sempre, em parceria com o blog “Cinecasulofilia”, assinado pelo fervoroso torcedor da Acadêmicos de Santa Cruz.
A coluna de hoje é sobre o sucesso “Avatar”, do qual o leitor pode ver o trailer acima.
“Ver Avatar não deixa de ser uma experiência emocionante. Com o termo “emoção”, não me refiro propriamente à saga dos avatares (os “bichinhos azuis”), mas em relação ao que está em jogo com a possibilidade de um filme como este ter sido feito. Explico melhor: com isso, quero dizer que se trata de um filme de James Cameron, um filme visionário. Há diversos aspectos que apontam para isso: o principal deles é a imbricação entre o mundo da realidade e do sonho (seria Avatar um filme surrealista?). É só lembrar o último plano do filme, o de olhos sendo fechados, e pensar em toda a coerência interna do filme. Ou ainda, a estrutura-base de O Vingador do Futuro. Outros são: a tecnologia como mediadora de um contato com o homem com a natureza, a busca por um paraíso perdido, um cinema-travessia, a política por meio do espetáculo.

Avatar é um filme sensorial, e daí a beleza do uso do 3D. O paralítico protagonista do filme tem a possibilidade de uma liberdade – espiritual, emocional e física – quando se torna um “bonequinho azul”: é bela a cena em que ele se levanta da cama e, contrariando a lição dos médicos, sai correndo pelos campos, sentindo suas pernas e o vento no rosto. O 3D reforça o tom sensorial do filme, e funciona melhor nas cenas de animação. Nos interiores, em geral no laboratório (cuja cenografia aliás é brilhantemente funcional), seus efeitos são menores. O interesse maior de Avatar é pelo “lado de lá”. De qualquer forma, o filme é uma mistura insólita de Pocahontas, Rambo, O Novo Mundo, Robocop, e tantos outros filmes que nos vêm à cabeça durante sua projeção.

Avatar é um filme político. É um filme que denuncia a expansão imperialista norte-americana, ou ainda, o preço pago em torno da ganância e do progresso material. Os “bichinhos azuis” claramente são mostrados como índios, tornando o filme uma espécie de metáfora sobre a colonização americana. Pela forma contundente como critica a cobiça do domínio bélico norte-americano, Avatar decerto é um filme humanista, que denuncia os abusos da guerra, um filme romântico (uma eterna fábula) sobre o paraíso perdido, e nessa direção vai contra os arroubos gráficos e estilizados (pós-modernos?) de um Bastardos Inglórios. Assim como Invictus, Avatar defende uma ideia de um contágio entre dois supostamente “opostos”, mas ao contrário deste, conclui que a guerra é inevitável, não havendo possibilidade de aliança.

Nessa ideia de travessia e contagio, de uma fábula histórica, sensorial e política, Avatar se remete a Titanic, o último “ultramegalomaníaco” projeto de Cameron. Quando os investidores foram ao set para tentar impedir o suposto naufrágio de Titanic (o filme), diz a lenda que Cameron urrava que só sairia dali morto (há um ditado militar que o comandante deve ser o último a deixar o navio quando naufraga). Titanic e Avatar representam uma operação de guerra, luta cruel e desesperada de um criador por sua obra, utilizando o máximo da engenharia financeira e tecnológica disponível para o mundo do cinema.

Há uma frase no meio de Avatar que aponta para isso. Quando a pesquisadora vai à sala do chefe da missão cobrar explicações, ele aponta para uma espécie de minério que custa milhões de dólares e diz “não se esqueça que é isso o que financia as suas experiências”.

O grande paradoxo de Avatar é que ao mesmo tempo em que Cameron critica o imperialismo norte-americano, o filme se utiliza das armas do grande espetáculo para realizar essa crítica. O espetáculo amacia o teor crítico do filme, mas ainda assim ele é visível. É cruel a forma como os seres azuis são esmagados no primeiro ataque e claramente não compartilhamos dessa visão. Há uma dor pela sua incapacidade de resistir, uma dor romântica e latente, um sentimento de que o progresso está nos levando à destruição. Ao mesmo tempo em que o filme estimula a fantasia e o romantismo, é calcado na objetividade dos números de bilheteria, estimulada pela “mais nova invenção”: o 3D. Tecnologia, arte, fantasia, ciência, mercado: o genoma de Avatar reflete os paradoxos desse homem integrado e deslocado de seu tempo.”

2 Replies to “Cinecasulofilia – "Avatar"”

  1. como não vi o filme, não tenho como dar uma opinião. mas a visão do autor é a do cineasta, talvez por isso nos seja um ângulo bastante diferente da questão; ao qual não estamos muito acostumados.

    abraços !

Comments are closed.