Mais uma vez, o texto é do compositor Estandarte de Ouro e Sambanet Aloísio Villar. No final do texto, apresento o vídeo com o compacto do desfile que lhe deu o Estandarte de Ouro de Melhor Samba do Grupo de Acesso, Boi da Ilha do Governador.
Vamos ao texto. Só faço um adendo: em minha poltrona de observador de disputas, já vi casos onde ela já estava decidida antes mesmo de iniciar.
“Passada a fase artística vem a fase mais empresarial, política, econômica: a disputa de samba-enredo.
Não adianta, seja na mais poderosa do grupo especial ou naquele bloco da esquina da sua casa você precisará de dois elementos, política e torcida. Samba bom? É, as vezes é necessário também.
Você fez seu samba, seguindo como eu disse na coluna anterior ou tendo seu prórpio método, claro que você acha que seu samba ficou lindo, seu refrão é uma “porrada”, todos os compositores acham isso, mas enfim, o que fazer agora?
Vai inscrever seu samba sozinho e cantá-lo? Bem, se você tiver o dinheiro do Bill Gates, a voz do Jamelão, ter um milhão de amigos pra torcer como o Roberto Carlos, saber fazer costuras políticas como um Churchill e o talento de compor de um Silas de Oliveira, te desejo boa sorte e até peço uma caroninha no seu samba.
Mas a gente sabe que não é assim, hoje em dia se contam nos dedos os sambas campeões assinados por uma ou duas pessoas; além dos que compõem é preciso o cara do dinheiro, o cara da torcida, o cara da política na escola. Este fenômeno faz nascerem os famosos “condomínios”, sambas de muitos autores, mas pelo alto custo que existe hoje em uma disputa infelizmente é necessário.
Também temos no samba o fenômeno de uma parceria de quatro, cinco compositores e nenhum deles ter feito o mesmo: eles recebem o samba pronto de compositores de outras escolas e cuidam da parte financeira e de quadra. No fim, vencendo, dividem o lucro. Esses compositores que enviam os sambas costumam fazer para várias escolas sem assinar, são os chamados “escritórios”. Os sambas são denominados “pombos”.
Samba pronto, parceria formada, tem que ter time de palco, cantores, cavaco, violão. Provavelmente a escola que você irá compor dirá: “aqui não precisa de cantor de ponta, nem de torcida, ganha o melhor”. Pode acreditar, mas acredite desconfiando, se tiver condições financeiras vá sim atrás de um cantor de ponta, a griffe conta sim e também tem aquele lado, o cara não é de ponta a toa, tem talento; caso não tenha condições financeiras para contratar um assim (dizem que alguns já chegaram a quatro dígitos por apresentação), tem uma rapaziada muito boa por aí cobrando menos e doida pra mostrar serviço. Procure nos grupos de acesso ou dentro da sua própria escola.
Muitas escolas cortam samba no cd, então seu sonho morre antes mesmo de chegar ao palco. Então é necessária uma boa gravação, é bom ter até nas escolas que não fazem isso porque graças a internet, hoje é possível fazer uma grande divulgação de seu samba concorrente. Escolha um bom estúdio, você tem opções de base pronta (uma bateria já gravada que o estúdio tem) e ao vivo (levar ritmistas pra sua gravação); tendo dinheiro opte pela segunda opção, ela personaliza seu samba. Se puder faça muitos cds, muitos prospectos, divulgue em todos os sites, “cave” muito e não se sinta constrangido com isso, todos fazem o mesmo.
Depois disso tudo, você começa a disputa, teu samba tá indo bem, você com esperança; aí chega o momento de alguém da escola chegar em você e falar “teu samba é bom, mas tem que botar torcida”, pra mim essa é a parte mais chata e estressante. Acredite, as escolas de samba querem que você coloque uma torcida comprada em suas quadras, mesmo que elas saibam que sua torcida as vezes nem gosta do seu samba, só tá lá cantando e levantando bandeiras porque você deu bebida e churrasco pra eles e depois da escolha nunca mais aparece na quadra; e o julgador na hora do desfile não quer saber se o samba na quadra levou torcida ou não, “caneta” mesmo se for ruim. Mas mesmo assim as escolas querem as torcidas, porque pra elas representa lucro na entrada e no bar, mesmo que esse lucro depois signifique uma perda de campeonato ou rebaixamento.
Aí amigo, você vai gastar, a maioria das escolas dão ingressos, mas não dão muitos, algumas restritas até certa hora, tem que arrumar ônibus pra levar esse povo pra quadra, bebida e churrasco – pode ser sopa de ervilha também – e paciência, muita paciência pra lidar com os vários pedidos que seus fiéis torcedores te fazem na quadra. Entretanto, é assim que o jogo é jogado e se você quer jogá-lo tem que entrar no ritmo. Difilmente você ganhará um samba no grupo especial do Rio de Janeiro gastando menos de cinco dígitos, dizem que teve parcerias que chegaram a seis.
Samba sem torcida não ganha, mas também o samba com maior torcida se for ruim não ganha, só vai deixar pra trás o samba muito melhor sem torcida, por incrível que pareça qualidade de samba ainda conta numa disputa: acho que é o terceiro quesito desempate, depois de política e torcida.
Falei bastante de política né, deve estar se perguntando o que exatamente é isso. Ter política é se dar bem com os pontos principais da escola, diretoria, segmentos, esse sai em vantagem porque logo na sua primeira apresentação já se vê baianas rodando pra esse samba, velha guarda aplaudindo e presidente dando tapinha nas costas dizendo que seu samba deu “um sacode”.
Aliás, samba-enredo nunca mais foi a mesma coisa depois que o elogio para um samba bom deixou de ser “bonito” e virou “sacode”.
Enfim, é isso, foi campeão? Parabéns, vá registrar seu samba numa das Associações da Ecad e espere meados do ano seguinte pra pegar seu dinheiro, ah..ele vem com vários descontos, a escola sempre pega uma parte e não é raro você receber menos que gastou.
Vale a pena passar por tudo isso? Ganhe a disputa e veja sua escola desfilando com seu samba, lá estará a resposta.”