Sempre às sextas feiras dou uma indicação de música para abir bem o final de semana.

Hoje farei um pouquinho diferente. Falarei de duas canções que representam uma das maiores e mais famosas batalhas culturais de que se tem notícia: o Festival da Tv Record de 1966 e o inesquecível – mesmo para quem não viveu como eu – duelo entre “Disparada” e “A Banda”.

As duas músicas chegaram à final daquele festival claramente polarizadas e francas favoritas ao título. Em clima de Fla-Flu, enfrentavam-se a moderna música rural de Geraldo Vandré e Theo de Barros e a nascente genialidade de Chico Buarque de Holanda. Duelo de titãs.

“Disparada” era defendida por Jair Rodrigues, à época já uma estrela da moderna MPB nascente. “A Banda”, pelo próprio autor e pela musa da Bossa Nova, Nara Leão.

Ambas tinham suas particularidades no arranjo. “A Banda” contava com o acompanhamento de uma banda de música, “Disparada” tinha como trunfo uma queixada de burro, que fazia um som absolutamente marcante.

Após apresentações absolutamente apoteóticas, as canções foram declaradas campeãs após um providencial empate.

Escrevo “providencial” porque, de acordo com o testemunho do músico e produtor musical Zuza Homem de Melo, que fazia parte da organização do festival, na verdade “A banda” era a vencedora de acordo com os votos de jurados, em contagem de sete a cinco em seu favor.

Segundo o testemunho, Chico ponderou que “Disparada” não era pior que sua música, que não aceitaria ganhar sozinho, que os ânimos da platéia estavam exaltados; disse que não apareceria para receber o prêmio se fosse o vencedor e, então, propôs-se o empate por parte da organização.

A história deste festival pode ser lida no excelente “A Era dos Festivais”, livro do produtor musical. Disponível apenas para compra no Submarino.

Na minha humilde opinião de apreciador de boa música popular brasileira, penso que Chico Buarque tem razão. Disparada é um dos pontos altos da carreira de Vandré, ao passo que “A Banda”, a despeito de sua enorme qualidade, não é sequer uma das dez melhores da carreira do genial artista.

Abaixo, as letras das canções e os videos das apresentações na final do festival. Detalhe que o vídeo de “A Banda” vem de um dos DVDs que foram lançados recentemente na série sobre o compositor.

Ressalvo que sou apaixonado pela gravação original de “Disparada”, que, aliás, ganhou uma releitura bastante interessante – embora inferior – no último cd do cantor Jair Rodrigues, o qual já resenhado aqui.

Boa diversão. Pergunta aos meus 18 leitores: qual é a melhor ?

Disparada
Composição: Geraldo Vandré e Theo de Barros

Prepare o seu coração
Prás coisas
Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar…

Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar
Eu vivo prá consertar…

Na boiada já fui boi
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu…

Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
E boiadeiro era um rei…

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei…

Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente…

Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto prá enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar

Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu…

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei

A Banda
Composição: Chico Buarque

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor…

10 Replies to “Música para o Final de Semana – Era dos Festivais”

  1. Na verdade, Migão, segundo o Zuza, o Chico disse que se Disparada ganhasse e A Banda fosse a vencedora, ele não apareceria para receber o prêmio. Foi então que os jurados resolveram dar o empate. Não era o que o Chico queria, mas acabou aceitando.

    Luiz Otavio

  2. Obrigado pela correção, Luiz Otávio, eu escrevi de cabeça – estou sem o livro aqui.

    vou corrigir o texto.

    Mas o Zuza também fala que Chico achava Disparada mrlhor.

  3. Tanto achava que queria que Disparada ganhasse.

    Na minha opinião, musicalmente Disparada é melhor, mas são estilos bem diferentes. A Banda fez um grande sucesso, apesar da patrulha tão comum na época.

    Gostei do texto sim. Você sabe que sou louco por festivais.

  4. Luiz, você é o “papa” do assunto, apenas fiz um resumo da história. Não chego aos seus pés em conhecimento deste assunto.

    A diferença é que Disparada foi o auge musical de Vandré, já A Banda ainda era o início do amadurecimento do Chico.

  5. O Chico nasceu ídolo. No seu primeiro disco, que incluia “A Banda”, ele já mostrava todo o seu talento com a extraordinária “Pedro Pedreiro”, “Olê Olá”, “A Rita” e “Meu Refrão”. E tenho que confessar que, embora goste muito de “Disparada” (a interpretação do Jair naquele festival foi demais), nunca fui fã do Vandré, nem quando ele levou à loucura o público do Maracanãzinho com “Pra não dizer que não falei das flores”. Para mim, “Sabiá”, que ganhou o festival, era e ainda é A MÚSICA. Na contramão, era por ela que eu torcia. E ao contrário do que a maioria pensava na época, era tão ou mais política que a canção do Vandré, com a diferença que tinha melodia (do Tom) e letra irrepreensíveis.

  6. Luiz Otávio, apenas acrescento ao seu comentário que, talvez, “Caminhando” estivesse mais adequada àqueles tempos.

    Lamentável foi a trajetrória de Vandré após o AI-5. No mais, subscrevo.

  7. Esse luiz otavio é nosso Luiz Otávio da lista???

    Não sou dessa época mas amo música e pelos videos e audios que tenho aqui sobre festivais gosto mais de disparada no quesito letra ela e a banda se equivalem mas na minha opiniao o que fez a diferença foi a interpretação do jair, sou suspeito pra falar porque é meu cantror predileto mas nota-se a força da interpretação dele enquanto Nara embora excelente cantora pelo menos nesse caso da banda nao interpretou a canção nao se concentrou nao colocou carga emotiva, se dispersou ficou estática enquanto Jair cresceu onde tinha que crescer, usou lamento onde precisava usar foi perfeito cantou com muito sentimento essa é minha opinião

    Mauricio

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