Publiquei, no dia 18 de maio último, um texto na seção de Opinião do jornal O Globo sobre o charivari que envolveu o jogo Brasil e Hungria na Copa do Mundo de 1954, tecendo algumas considerações sobre aquela partida e os atuais delírios patrioticos dos professores Dunga e Jorginho. A pedidos de alguns alunos, reproduzo abaixo o texto, exatamente como saiu no jornal :

O desvario patriótico do professor Dunga e do pastor Jorginho na entrevista coletiva sobre os convocados para a Copa do Mundo, com exortações de sacrifício pela pátria de chuteiras, me remeteu, mais do que ao sinistro Brasil Grande do presidente Médici, ao desempenho canarinho no mundial de 1954.

Naquele ano o escrete – mal saído do trauma da derrota em casa no mundial de 1950 – encarou nas quartas de final o até então imbatível esquadrão húngaro, dos cracaços Czibor, Cocsis, Toth e Hidegkuti (Puskas, contundido, não jogou).

Antes do início da partida o vestiário do Brasil foi invadido por dirigentes em transe nacionalista, dispostos a estimular o time a um milagre em nome da pátria. João Lira Filho, especialmente, estava com a macaca: fez um discurso exaltado, comparando os jogadores aos inconfidentes mineiros e os húngaros a Silvério dos Reis. Desfraldou depois, aos prantos, a bandeira da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Obrigou os jogadores a beijar a bandeira e declarou que naquele jogo contra os húngaros os canarinhos deveriam se empenhar para vingar os mortos de Pistóia – cemitério italiano onde foram enterrados os pracinhas que morreram na guerra. Não ocorreu a ninguém recordar ao ínclito patriota que brasileiros e húngaros não se enfrentaram no charivari armado por Hitler e Mussolini.

Segundo o testemunho do insuspeito Nilton Santos, o time entrou em campo com os nervos em frangalhos. Brandãozinho, um dos nossos volantes [dá-lhe Dunga!], não entendeu bulhufas quando Lira Filho o chamou de Alvarenga Peixoto. Didi, comparado a Tiradentes, começou a achar que o dirigente tinha enlouquecido. O técnico Zezé Moreira tentou expulsá-lo do vestiário, mas o homem estava com a corda toda.

O que se viu a partir da entrada dos times no gramado, debaixo de um dilúvio bíblico, foi uma das disputas mais emocionantes, violentas e desvairadas da história do futebol.

O técnico Zezé Moreira insistiu numa recomendação aos jogadores: a chave para a vitória contra os húngaros era resistir os primeiros dez minutos e depois partir para o ataque. Não deu certo. Com oito minutos do primeiro tempo a Hungria já tinha feito dois gols em Castilho.

Com surpreendente poder de reação, o Brasil descontou aos 17 minutos, em um pênalti bem cobrado por Djalma Santos. A partir daí o jogo foi pau a pau, com nosso ponteiro Julinho Botelho fazendo o diabo em campo. Não empatamos na primeira etapa por pouco.

O segundo tempo foi um verdadeiro teste para cardíacos. Os húngaros fizeram o terceiro gol – Lantos de pênalti – mas o Brasil descontou logo com Julinho. Mandamos duas bolas na trave, pressionamos, perdemos Nilton Santos e Humberto expulsos, eles perderam Bozski e, em vantagem no número de jogadores, liquidaram o jogo com um gol de Cocsis no finzinho: 4 X 2 para a Hungria.

Mal o juiz Mr. Ellis apitou o fim do jogo e a verdadeira batalha começou. Puskas, que assistira ao prélio das arquibancadas, desceu ao gramado e provocou Pinheiro na entrada do vestiário. O zagueiro canarinho revidou e todos os jogadores se envolveram na pancadaria.

Um policial imenso, com mais de 130 quilos, foi correndo apartar a briga, tomou uma rasteira do radialista brasileiro Paulo Planet Buarque e caiu estatelado no gramado. A polícia revidou e jornalistas e dirigentes acabaram se envolvendo no furdunço. O técnico Zezé Moreira viu um gringo de terno correndo em direção ao vestiário e não teve dúvidas, enfiou o cacete no cabra com as chuteiras que Didi trocara durante o jogo e estavam em suas mãos. O agredido era o ministro do Esporte da Hungria, Gustavo Sebes.

No setor reservado às estações de rádio, para a surpresa dos discretos suíços, o árbitro brasileiro Mário Vianna urrava nos microfones impropérios contra o juiz inglês. Lançando a tese de que o escrete fora vítima de uma conspiração comunista financiada por Moscou, Vianna tentou invadir o vestiário de sua senhoria para, segundo declarou depois, aplicar-lhe um corretivo em nome da pátria e desafiar os asseclas de Stalin.

O final dessa zorra foi o mais inesperado da história das copas. A população no Brasil acompanhou o bafafá pelas rádios e, insuflada pelas acusações de Mário Vianna, resolveu agir contra as ofensas ao país. Perdemos o jogo para a Hungria e o torneio foi na Suíça. No calor das emoções, entretanto, os indignados torcedores cariocas, como bravos guerreiros tupiniquins, erraram o alvo e quebraram, em desagravo ao pavilhão auriverde, a embaixada da Suécia no Rio de Janeiro.

Patriotismo demais, professores Dunga e Jorginho, dá nisso.