Poucos filmes, na história do cinema, atingiram a dimensão psicológica e mergulharam tão profundamente nos mistérios da alma humana como A Banana Mecânica. Não, não me enganei. Sei que alguns devem  imaginar que troquei de fruta e  me refiro ao clássico Laranja Mecânica, do diretor Stanley Kubrik. Errado. Me refiro mesmo ao filme brasileiro de 1974, dirigido por Braz Chediak e estrelado por um elenco de peso: Carlos Imperial, Rose di Primo, Kate Lyra, Pedrinho Aguinaga e Henriquete Brieba.
O roteiro, de grande densidade psicológica, acerta em cheio ao propor uma simplicidade aparente, aberta ao diálogo com grandes platéias. Aos poucos, entretanto, a máscara da simplicidade cai e revela uma sofisticação delicada e verossímil.

A vertigem visual que se observa é a poderosa metáfora da luta do homem contra seus instintos, ainda que certos clichês narrativos prejudiquem, do meio para o final, a  tentativa de se pensar o cinema como arte em si e para si,  naquela perspectiva proposta pela geração Paissandu: o filme como semiótica do todo parcial fragmentado.

A trama é centrada na trajetória de um psicanalista, o Dr. Ferrão, que desenvolve novas teses sobre a natureza do amor conjugal e utiliza mil mulheres peladas como cobaias para seus experimentos, a partir do desenvolvimento da revolucionária “terapia do sex surprise”. Ao mesmo tempo, Dr. Ferrão cuida de Paulo Frederico, um jovem bicha em tratamento de recuperação, e se envolve com a sobrinha de seu amigo Cornélio.

A atuação de Carlos Imperial como o Dr. Ferrão   é, certamente, resultado de um longo laboratório do ator, ainda que vez por outra peque por excesso.  Imperial propõe ao espectador uma espécie de quebra-cabeças, explorando sutilmente referências que misturam o Hamlet de Sir Laurence Olivier, as expressões do boneco Falcon, a impetuosidade corporal de Febrônio Índio do Brasil e o gestual elaborado do parapsicólogo Roberto Lemgruber. Lembra muito, pelas nuances dramáticas, a atuação impactante da dupla Zico e Raimundo Fagner, no clipe da música Batuquê de Praia [que em breve merecerá as atenções desse escriba].

O diretor se vale de referências cinematográficas do protoexistêncialismo realista grego, da poesia de J.G de Araújo Jorge, do neorrealismo esloveno e das canções de Nelson Ned e Paulo Sérgio para sugerir a transformação dos personagens. O Dr. Ferrão vai se apaixonando pela jovem Cristina e o afrescalhado Paulo Frederico abandona as maneiras efeminadas,  seduzido por Marcela, uma dona de butique disposta a coverter bichas loucas em garanhões insaciáveis. 
O elenco feminino é de primeira qualidade. Henriqueta Brieba, como a velha Dona Neusa, esposa de Cornélio,  não aparece pelada, o que tranquiliza os espectadores. Já Rose di Primo e Kate Lyra, como as moças Marcela e Cristina,  têm atuações no estilo “a ema gemeu no tronco do juremá”. Rose, especialmente, se destaca na  cena emblemática  –  seminal na história da sétima arte – em que o meneio de sua retaguarda lembra muito o drible do elástico, consagrado por Riberto Rivellino.
É por tudo isso que A Banana Mecânica merece todos os elogios e atinge, em vários momentos, patamares que a laranja do Kubrik não foi capaz de experimentar.

8 Replies to “A BANANA MECÂNICA”

  1. Simas,
    Gosto das suas dicas de filmes. Me fazem lembrar o patrulhamento cultural a que fomos submetidos na s décadas dos anos de chumbo, em que eramos (universitários), obrigados a gostar sómente de músicas e filmes engajados politicamente.
    Quando você resgata estas preciosidades sinto uma sensação de brasilidade.Determinadas músicas, hoje “cult” eu só cantava no banheiro.
    PS. nada contra os filmes e músicas “cabeça”. São necessários principalmente hoje. Mas sem patrulhamento.
    Abraços
    Jairo

  2. E tem gente que perde tempo com Rubens Ewald Filho na entrega do Oscar.
    Grande Simas

    Abraço do Coelho

  3. JAIRO,sem patrulhamento, sempre! Abraço.

    Grande COELHO, forte abraço. Abaixo o Ewald!

    ALAN, em breve farei isso. O problema é ter que assistir as peças para fazer as críticas.

  4. Gosto das suas dicas de filme e mais ainda dos comentários, nos fazem sempre dar mais valor ao produto que é nosso (ou do nosso Bananão, como vc diz).
    Vim aqui mais para dizer que sou leitora assídua do seu blog e todo material que posta, fui sua aluna ano passado, hoje faço faculdade de História na UFF mas ainda sinto falta de como você contextulizava a História no samba, é único.

    obrigada por compartilhar o conhecimento professor.

  5. Simas,

    Concordo plenamente com os comentários. Alguns dessus filmes eu nem sabia que existiam, portanto está mais do que na hora de procurá-los. Aproveito para para perguntar: O que o Wolney, especialista em cinema, acha dos seus comentários. E quando puder, não esqueça da galera da FEUC.
    Abraços,
    Evandro Luiz (Ex-aluno de 2006)

  6. Lembro deste filme, principalmente a cena explícita em que o personagem do Imperial chupa a buceta de uma paciente. Tem disponível em DVD?

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