O cabra era conterrâneo do meu avô. Nasceu em Surubim, interior de Pernambuco, e iniciou sua carreira de comunicador , no início dos anos 30, na Rádio Clube de Pernambuco, no Recife. Paralelamente ao trabalho como locutor, estudava medicina na Faculdade do Recife e era músico – percussionista dos bons – de um conjunto relativamente famoso na capital pernambucana, o Bando Acadêmico.
Sem um puto no bolso, Abelardo Barbosa acabou aceitando um convite de um amigo para virar baterista da orquestra do navio Bagé, em turnê pela Europa. A medicina foi pro beleléu e o nosso Chacrinha foi fazer esporro no velho continente.
A mudança foi ótima. Chacrinha médico é rigorosamente inacreditável. Alguém consegue imaginar o Doutor Chacrinha comandando, por exemplo, uma cirurgia de apendicite, todo de branco, na beca? Não dá.
Ao voltar da Europa, Abelardo aproveitou uma escala que o navio fez no Rio de Janeiro e resolveu ficar na capital federal. Não conseguiu emprego nas maiores rádios do Rio. A Tupi, por exemplo, argumentou que Chacrinha nunca faria sucesso na comunicação, em virtude de seu temperamento amador, ideias anárquicas e sotaque de cabra da peste.
Ferrado de grana, arrumou um biscate como locutor de vendas da loja “O Toalheiro”. Foi descoberto no meio da rua, fantasiado de chuveiro, por um diretor da Rádio Clube de Niterói, pequena emissora que tinha como sede uma chácara em Icaraí. A direção da rádio deu autonomia para Abelardo criar uma atração de fim de noite. Foi aí que o locutor teve a idéia de fazer um programa com músicas carnavalescas, cujo nome fazia referência ao local de onde era transmitido : O Rei Momo na Chacrinha. Isso mesmo. A chacrinha era a pequena chácara em Icaraí de onde a Rádio Clube transmitia sua programação. Virou, com o tempo, o apelido definitivo de Abelardo Barbosa.
O programa fez sucesso, sobretudo em razão das extravagâncias do apresentador. Chacrinha recebia seus convidados de cuecas, toalhas de banho, fraldas, babador e lenço na cabeça. Dependendo da marchinha que estivesse fazendo sucesso, aparecia caracterizado de árabe, colombina, índio, pirata, tirolês, jardineira e outras maluquices. Em certa feita ameaçou tirar a roupa na frente da atriz Zezé Macedo e a polícia invadiu a chácara para evitar o streaptease do locutor. Vem desta época alguns bordões ( Terezinhaaaaaa!! Vocês querem bacalhau? ) que posteriormente marcaram a atuação de Chacrinha em rádios maiores e na televisão.
Ficou famoso o dia em que, na rádio, o programa de Abelardo apresentou aos cariocas o cantor gaúcho Teixeirinha. Enquanto Teixerinha cantava “Coração de Luto” – o épico “churrasquinho de mãe” – as macacas de auditório choravam de forma incontrolável e Chacrinha simulava um enfarto que chegou a levar o pronto socorro e a rádio patrulha ao estúdio de transmissão. Boatos sobre a morte de Chacrinha no ar, sob forte emoção após escutar Teixeirinha, levaram uma multidão à sede da emissora. O próprio apresentador ligou clandestinamente para uma funerária para que enviassem um caixão para o “comunicador Chacrinha”. O furdunço terminou na delegacia, com o menino levado da breca sendo enquadrado por perturbar a ordem pública.
Curioso foi o papel exercido pelo comunicador, já na televisão, nos anos de chumbo do regime militar. Os críticos do regime acusavam Chacrinha de promover a alienação política das massas, jogando bacalhaus para a platéia, buzinando calouros e divulgando astros da música cafona. O regime , por sua vez, investigou Chacrinha. O apresentador chegou a prestar esclarecimentos ao departamento de censura federal, sob a acusação de que promovia pornografia barata, atentava contra a família brasileira e divulgava piadas de sentido dúbio, além de expor mulheres seminuas no palco para afastar a juventude dos estudos e despertar a libido nos jovens (uso os termos que o departamento de censura utilizou) – as chacretes, gostosíssimas, de inesquecível memória para gerações de adolescentes.
Chacrinha foi também compositor de marchinhas carnavalescas politicamente incorretíssimas, em parceria com João Roberto Kelly. São da dupla pérolas como Maria Sapatão, Eu tô cheio de mulher (com a inacreditável interpretação do ator Mário Gomes, na época conhecido como Dino Cenoura – alguém lembra por que? ) e Bota a camisinha. No fundo, era isso mesmo que Chacrinha fazia: carnaval o ano inteiro. Fantasiado de abacaxi, noiva, bombeiro, borboleta, pirata, índio e o escambau, o menino de Surubim, velho palhaço, esculhambou tudo. O que acho dele? O próprio definiu perfeitamente seu papel na comunicação brasileira com uma frase emblemática: Eu vim para confundir, e não para explicar.
Caro sr.Luis Antonio,no meu rol de idolos está o endiabrado “levado da breca”.Agora,desculpe,mas devo avisa-lo estar o sr. Sêo Simas,tambem incluso dentre estes maravilhosos brasileiros(genios?)que eu idolatro.Sabe o caro Historiador,que os meus cabelos brancos já me permitem dizer certas coisas sem ficar envergonhado(rubro?).Certa noite no Anhanguera disse “Pô rapaz voce tá escrevendo bem ,hein!” aí fuçando os arquivos do velho blog pensei”como sou ingenuo,o homem escreve bem desde sempre”.Bom,parabens pelo livro,salve o bloco(salve o cabeça brilhante)salve suas historias,salve suas escritas,abraços e muita alegria na concentração….
Passar por aqui é uma grande alegria, seus ensaios dão sempre ótimos sambas! A propósito, vc ficou demais na foto ao lado do mestre Nei Lopes! Bjs!