Aproveitei o recesso de fim de ano para ler um livro que Jorge Cury chamaria, aos berros, de livraço-aço-aço: Padre Cícero – Poder, fé e guerra no sertão, do jornalista e escritor Lira Neto, um calhamaço de quinhentas e tantas páginas que se lê com prazer o tempo todo.
O padim, um dos personagens mais controversos da história do Brasil, era da pá virada. Realizou prodígios de fé, converteu multidões e fez de Juazeiro do Norte um dos maiores centros de romaria cristã do mundo. Sua pastoral sertaneja arrebata ainda milhões de fiéis, em um espetáculo de fé que só encontra paralelo nos festejos do Círio de Nazaré. Esse é um Cícero.
O outro é o que benzeu rifles, punhais e bacamartes de jagunços para fazer uma revolução no Cariri. Se meteu na política, ligou-se aos coronéis e virou o primeiro prefeito de Juazeiro. Foi eleito deputado federal e concedeu patente de capitão da força pública ao cangaceiro Lampião, em troca do compromisso para que o facínora enfrentasse a Coluna Prestes. Não bastasse isso, ficou milionário à custa de esmolas e doações de fiéis mas manteve o voto de pobreza e levou uma vida de asceta – não aproveitou um tostão da fortuna que amealhou. O cabra não é para principiantes.
À época daquela eleição meio picareta para se escolher as 7 maravilhas do mundo moderno, estão lembrados?, lancei a candidatura da estátua do Padre Cícero, que me pareceu mais interessante que o Cristo Redentor. Os amigos podem recordar a momentosa campanha cívica aqui . O fracasso da iniciativa, entretanto, evidenciou a pouquíssima influência desse escriba e o Cristo do Corcovado levou a melhor.
A Igreja Católica, que baniu Cícero de seus quadros com um decreto de excomunhão, analisa atualmente a sua reabilitação, em uma ordem expressa pelo Papa Bento XVI. O culto ao padim é visto hoje pelo Vaticano como um poderoso instrumento na luta contra o avanço de igrejas evangélicas no Nordeste – dois milhões e quinhentos mil romeiros se dirigem por ano ao Juazeiro para louvar o padre, agradecer milagres e pedir graças. Negar o culto ao padim é de um equívoco monumental na disputa pelo mercado da fé.
Acho que essa campanha de reabilitação do Padre Cícero pode motivar outras do mesmo tipo mundo afora. Pode, por exemplo, inspirar o STJD a não banir do futebol o garoto Jobson, que andou cheirando pó antes de uns jogos do brasileirão. Cícero e Jobson merecem uma segunda chance e o Vaticano e o STJD devem estar atentos a isso.
Para muitos fiéis o Padre Cícero é o próprio Jesus Cristo. Os romeiros afirmam que o Messias retornou ao mundo, nos confins do Crato, na forma de um caboclo de olhos azuis. Há controvérsias, mas a ideia é curiosa – um Jesus sertanejo que abençoa jagunços, benze punhais, lidera revoluções, vira latifundiário e faz milagres do balacobaco.
Eu saí do livro, curiosamente, mais simpático à figura do padrinho, ainda que reconhecendo as terríveis contradições que cercam o cabra. Quando vejo, por exemplo, o Padre Fábio de Melo interpretando sucessos de Fábio Jr, o Padre Marcelo Rossi imitando elefante na missa e o Padre Antônio Maria celebrando o casamento de Ronaldo Fenômeno e Cicarelli no Castelo de Chantilly, sinto uma nostalgia profunda das falcatruas e milagres do velho sacerdote do Cariri, que detestava papagaiada em missa.
Parêntese: Farei agora, antes de encerrar esse arrazoado, uma confissão que vai me desmoralizar como humanista e historiador. Só pretendia revelar isso a um médium de mesa branca após a morte, mas vá lá: padres cantores me levam a ter uma certa e incontrolável saudade do Santo Ofício da Inquisição. No que o Padre Marcelo botasse as mãozinhas pra frente e saísse pulando feito canguru, a Santa Inquisição certamente iría colocá-lo em clausura, ajoelhado no milho, para que ele nunca mais imitasse um marsupial até o fim dos tempos.
O padim Padre Cícero é, enfim, o médico e o monstro da História do Brasil.
Deixo com os amigos o imenso Luiz Gonzaga cantando um louvor ao padre do Juazeiro: a valsa Légua Tirana, uma das mais comoventes canções da música brasileira:
Abraço
Simplesmente fantástico!
Um txt instrutivo e divertido como há muito não lia.
Parabéns e um abraço.
DANA, valeu o elogio.
Forte abraço!
Rapaz, em 2006 eu visitei Juazeiro do Norte, e sai de lá umas 10x mais nordestino do que já era. Visitar o Horto, a casa do Padim e, mais importante ainda, observar as pessoas que por lá passam, é um curso intensivo de Brasil.
Veja documentário que fiz sobre Padre Cícero, após dois anos de filmagens. Intitulado: PADIM CIÇO, SANTOU OU CORONEL? Se gostar, comente, avalie e divulgue. Pode acessar através do meu blog: http://www.valdecyalves.blogspot.comvisualizar o recado inteirorecolher recado
Eu importantissimo o trabalho que voce desenvolveu nesse relato pois nos catalicos espiritas umbandistas nao podemos deixar os evangelicos tomar de assalto a impremssa falada escrita televisada do jeito que eles estao tomando unirvos catolicos espiritas umbandistas para nao nos tornarmos marionetes nas maos deles Abraços Robison Batalha