Só pode ser provocação. Todos os amigos que acompanham esse espaço sabem da linha adotada no pedaço. Eis então que hoje, ao abrir meus emails, leio o seguinte:
Professor, sou o Mateus, seu aluno do pH da Tijuca. Por que no seu blog você não fala do Lula? Eu gostaria de conhecer sua opinião sobre ele. Abração.
Era o que me faltava. Minha opinião sobre o Lula aqui no Histórias Brasileiras. Como, porém, acordei animado, vou atender ao pedido, seria melhor dizer provocação, do Mateus. Lá vai.
A lembrança do Lula me causa horror, verdadeiros pesadelos, é um trauma que vem de infâncias profundas – coisa que duzentos anos de terapia e mil passes de caboclos de umbanda não vão afastar.
Lula poderia ter sido o mais digno dos homens, mas compactuou com a fraude, a farsa, o descalabro, a injustiça histórica. Não foi o agente do delito, mas dele se aproveitou para perpetuar a ideia de vitória a qualquer custo, a Lei do Gerson, aquela que fala em levar vantagem em tudo.
O pior de tudo é que Lula é pernambucano, terra do meu avô e de minha mãe.
Mas tudo bem, admito que a sacanagem maior não foi mesmo dele. Fizeram o serviço sujo e deram condições para que ele, aí sim, aplicasse o golpe de misericórdia na dignidade humana.
Quer que eu te explique como foi, Mateus? Eu não estava lá, era um meninote de três anos que nem fazia ideia do que estava ocorrendo, mas sinto hoje esse golpe como se estivesse presente. Tenho amigos que assistiram in loco o episódio e nunca se recuperaram do impacto.
Faltavam dois ou três minutos para acabar o jogo. O Botafogo tinha um time muito superior e seria o campeão com o empate. No desespero do bumba-meu-boi, a bola é alçada na direção da cidadela alvinegra. Eis a cena e o momento do crime.
O goleiro Ubirajara Mota se prepara para fazer uma defesa fácil. Sofre, entretanto, uma falta do lateral esquerdo do Fluminense, Marco Antônio, digna de punição pelo código criminal brasileiro. Tudo isso na frente do juiz, cujo nome JAMAIS será citado por mim. A este cidadão aplico a regra dos iorubás – merece o desprezo, o limbo, o esquecimento, a agonia das almas penadas.
A bola sobra então, limpinha, para Lula, um bom ponteiro esquerdo, diga-se. Ele poderia resgatar o sentido de honra entre os homens. Diziam os antigos vikings que o único patrimônio de um homem é a sua reputação. Lula, porém, trocou a reputação pela autoria do gol mais ilegal da história do futebol desde que Charles Muller apareceu com uma pelota por essas bandas.
Vou lhe dizer uma última coisa, Mateus. Eu conheço botafoguenses que assistiram ao jogo – a final do campeonato carioca de 1971 – e apontam aquele momento como o de maior tristeza na história do clube. Trabalhei com um professor que, inclusive, diz que ali deixou de acreditar em Deus e buscou conforto no materialismo histórico e dialético.
Eu acho que era caso de se deixar de acreditar nos homens. Foi a humanidade que morreu um pouco naquele gol.
Que Lula, Marco Antônio e o juiz [aquele cujo nome não se pronuncia] carreguem o peso implacável do chumbo na consciência pelo resto dos tempos e por todas as vidas.
É essa, Mateus, a minha mais sincera opinião sobre o Lula.
Abraço.
O tal dia – eu tinha uns 11 anos – foi um dos mais tristes da minha vida. Foi o dia em que perdi uma série de ilusões sobre o mundo. Lembro que estava chegando em casa, em Piedade. A TV transmitia os momentos finais do jogo – eu testemunhei o crime. Desde então, como você, não pronuncio o nome daquele juiz (que, pior, poucos meses depois foi apitar um jogo em comemoração ao centenário de Viçosa, terra do meu pai. E eu estava lá). O bom é que, anos depois, o safado virou técnico de um timeco – acho que um time de juvenis ou coisa que o valha – que tinha um jogo marcado para acontecer em um campo do Botafogo. Pois, o fdp foi barrado na porta do estádio. Alegou que era o técnico, o cacete aquático. Não adiantou. O porteiro apenas repetia: “Aqui você não entra.” Ah, desde aquele maldito dia que não consigo me comover quando vejo o Fluminense ser roubado. Acho que o roubo faz parte da penitência tricolor.
Abraços.
Molica
rapaz, a história é do lula, mas um goleiro chamado ubirajara mota é pra entrar nos anais do futebol (com todo respeito, claro)…
abraço!!
Simas, muito bom, parabéns.
Eu estava lá vendo essa final. Realmente foi mais um dos roubos que o nosso Fogão sempre sofre.
Abçs
Geniorj
Simas, El loco está aí. O carioca que nos aguarde, porque o Glorioso vem forte. Com esse ataque que promete ser o Mercosul, nos daremos bem! El Loco, Herrera e Ortigoza. Tá bom ou quer mais?
Abraço, Evaldo
El loco??? Tudo haver com o Botafogo, prá quem já teve Heleno de Freitas….é mole!!!!
Caro Simas
O quinto parágrafo, já disse tudo !
Parabéns pelo texto.
Ernesto
Pô, Simas, eu também estava lá. E sentado quase atrás do gol do Ubirajara. Meu coração já estava na boca desde a metade do segundo tempo, pelo temor de ver o filme que muitas vezes já tinha visto: o Botafogo com um time muito superior ao do adversário (o que então era uma praxe de mais de uma década) acabar perdendo no fim. O terror era maior porque eu acreditava que o juiz, fosse quem fosse, não ousaria “prejudicar” o então todo poderoso Fluminense, o queridinho da CBF e da Federação Csrioca, embora esta fosse dirigida por um “botafoguense”. Entre aspas, porque, com aquelas ombreiras volumosas mais sua inseparável piteira, não passava mesmo de um tricolor enrustido.
Na saída em silêncio do Maraca; na desolada volta à pé para casa; enchendo a cara no Estrela, boteco próximo à minha casa na Rua Conde de Bonfim; revirando na cama à espera do sono que não vinha… nesse tempo todo não parava de passar na minha cabeça o replay do lance, eu sempre esperando que a mão do Birinha acabaria percorrendo aqueles poucos centímetros que a separavam do soco salvador.
Porque a culpa do “maracanazo” alvinegro, Simas, não foi do Bira nem do Marco Antonio nem do Lula, tampouco daquele cara do apito entupido. O culpado, o grande culpado da tragédia fui eu, que comprara, pela primeira – e última! – vez na vida, por antecipação, a faixa de campeão.
S.A.
Pô, Simas, sou Flamenguista e não era nem nascido na época, mas já ouvi falar muito nesta história… Concordo plenamente com você, no que diz respeito ao desprezo por aqueles que se utilizam de qualquer expediente ilícito para tirar vantagens. Por exemplo, na semifinal entre Flamengo e Botafogo, o tal do “Loco” Abreu tentou fazer gol com a mão e reclamou acintosamente contra a correta anulação. Já na confusão dos cartões, Fahel e o outro jogadorzinho conseguiram enganar o senhor soprador de apitos, evitando a expulsão do primeiro… Exemplos incontestes do mau-caratismo que reina em nossa sociedade. Eu, particularmente, teria vergonha de encarar o meu filho se fizesse algo parecido mas – fazer o quê? – a filosofia da nossa sociedade é essa. Não quero desmerecer a vitória do Fogão que, aliás, está acima disso tudo e mereceu a vitória.
Parabéns e um abraço!