Não imagino a vida sem livros. A frase é feita, tem a originalidade de um triangulo amoroso de novela mexicana, mas é absolutamente verdadeira. Tive, porém, na minha trajetória de leitor constante, algumas decepções. Faz parte.
Lembro, por exemplo, que ao ler o livro 1968 – O ano que não terminou, do jornalista Zuenir Ventura, fui tomado de enorme decepção e acabei despachando o volume, sem choro nem vela, a um sebo da Praça Tiradentes. Explico.

O jornalista faz um apanhado minucioso dos acontecimentos de 1968 no Brasil e no mundo, fala dos movimentos de contracultura, da luta contra o regime militar, dos antecedentes do AI-5, dos festivais da canção e outros babados. Ótimo.
Ventura ignora, porém, o fato mais relevante daquele ano na opinião desse modesto escriba: foi no dia 4 de fevereiro de 1968 que Mané Garrincha, a forma torta escolhida por Deus para passear entre os homens, usou a camisa 7 do Alecrim de Natal, em um amistoso contra o Sport do Recife.

A escalação do Alecrim naquela refrega histórica, que acabou sendo vencida pelo Sport por 1 X 0 , é de uma sonoridade digna dos maiores alexandrinos da língua: Augusto; Pirangi, Gaspar, Cândido e Luizinho; Estorlando e João Paulo; Garrincha, Icário, Capiba e Burunga.

Parêntese: esse deve ser o ataque mais inusitado da trajetória do grande Mané nos gramados: Garrincha, Icário, Capiba e Burunga é simplesmente sensacional. Fecha o parêntese e voltemos ao mote.

O Alecrim Futebol Clube é tradicionalíssimo. Foi fundado em 1915 por um grupo de moradores do bairro do mesmo nome e teve como um de seus primeiros goleiros um certo João Café Filho – que muito tempo depois ocuparia o segundo posto mais importante de sua vida [o primeiro, evidentemente, é ter guarnecido a meta do Alecrim durante um campeonato estadual] : a presidência da República.

É provável, aliás, que o Alecrim seja o único time do mundo a ter tido como goleiro titular um futuro presidente da República. Não tenho dúvidas de que, no Brasil, é o único. Ou alguém imagina Getúlio Vargas fechando o gol do São Borja e o Marechal Castelo Branco realizando prodígios, com sua cabeça descomunal capaz de cobrir toda a extensão do arco, na meta do Ferroviário do Ceará?

Não bastasse isso, em 1925, enquanto a Coluna Prestes marchava pelos sertões, o padre Cícero realizava milagres no Juazeiro e Lampião aterrorizava o nordeste com os seus cabras, o Alecrim conquistava um inédito título invicto do campeonato potiguar. Bicampeão, para ser preciso. O time, um dos maiores da história do Rio Grande do Norte, está na ponta da língua: Otávio; Lula e Pindaró; Foster, Zé Dantas e Nozinho; Zé Carlos, Garcia, Gentil, Deão e Miguel.

Com todos esses argumentos que rapidamente apresentei, reforço a indignação que motivou esse arrazoado: como é que Zuenir Ventura esquece de Mané Garrincha no Alecrim ao abordar o ano de 1968; um fato de importância histórica no mínimo similar às rebeliões estudantis, passeatas, festivais da canção e quejandos? Deus usou a camisa esmeraldina nos gramados do Rio Grande do Norte, e mais do que isso não há.

A letra do hino do Alecrim é a seguinte:

O hip hurra ao nosso bicampeão
Todo povo te saúda de alma e coração
Bate olé no gramado com o adversário seu
Alecrim Futebol Clube você é meu (Bis).
É voz geral da torcida potiguar
O negócio só tem graça se o Alecrim jogar
Dá gosto ver os meninos
traçando o bolão pra valer
Deixando o adversário
Sem nada pra poder fazer
Olé!

Abraços

6 Replies to “O ALECRIM DE CAFÉ E MANÉ”

  1. luiz,
    guardadas as devidas proporções (e bota guardada nisso), me veio à cabeça que neste domingo, dia 10, túlio maravilha, o matador do goiás e botafogo (e atualmente matador de votos) vai entrar em campo pelo meu querido Potyguar de Currais Novos. vou ver se consigo ir ao jogo. muito discutível o motivo (e o valor) que traz túlio a minha curraos novos. mas é melhor conferir in loco o que vai rolar.
    abraço!

  2. Meu caro,
    como abecedista, no Rio Grande do Norte, tenho a maior simpatia pelo Alecrim, que, aos poucos, volta ao cenário potiguar, tendo sido campeão estadual em 1924-25, 1963-64, 1968 e 1985-86. Seu primeiro técnico campeão, na era do profissionalismo. era conhecido por Geleia. Nos anos 80, participou do campeonato brasileiro, jogando no Maraca exatamente contra o seu Botafogo, que o venceu por 2 x 1. Há uma história curiosa envolvendo o goleiro Sansão (do Riachuelo, um clube que não existe mmais) e a sua paixão pelo Alecrim. Questionado pela diretoria depois de um jogo contra o “Verdão”, por ter deixado entrar bolas relativamente fáceis, Sansão saiu-se com essa: “Enfrentando outros adversários viro bicho, porém contra o Alecrim a história é outra”. Em tempo: Café Filho defendeu o Alecrim em 1919-20. [Informações extraídas do livro ‘Da bola de pito ao apito final’, de Everaldo Lopes.]

    Um abraço.

  3. THEO, o Túlio tem seu mérito. Abraço.

    CIRNE, meu caro, mais coisas virão por aí em relação ao futebol da tua terra. Aguarde!

    EDU, aguarde. Com programação gráfica de Boechaaaaaaatttttttt.

    VANESSA, no meu outro blog tem muita história sobre a criação de clubes pequenos. Concordo contigo: tem coisas boas pacas. Vem mais por aí.

    Beijo

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