Um dos maiores times de futebol que vi atuar nas quatro linhas foi o do Vila de Cava F.C. , glorioso clube de várzea que marcou Nova Iguaçu e arredores no início dos anos oitenta. A popularidade do Vila foi tamanha que a equipe chegou mesmo a fazer uma excursão internacional [assim foi anunciada a viagem] pelo interior do Espírito Santo.
Recito até hoje, como quem declama um Camões, um Bandeira, a escalação dos sonhos do onze varzeano : Elisangela; Camunga, Carlinhos “nem fudendo”, Mão Branca e Tornado; Jorge Macaco, Capiroto e Corno Manso; Curupira, Abecedário e Aderaldo Miquimba .
Tenho mais saudades ainda do Vila, o Terror da Baixada, quando observo algumas situações do futebol atual que estão transformando o violento esporte bretão em coisa de frescos. Exemplifico.
Jogador de futebol que se preza não pode entrar em campo com gel no cabelo, sobrancelha feita, suvaco depilado, creme de proteção facial, brinco de ouro, protetor labial e outros salamaleques típicos de bichas loucas e garotas da Socila. O técnico do Vila de Cava, o popular Zezé Macumba, instruía os zagueiros, por exemplo, a parar de escovar os dentes uns três dias antes de um jogo importante. A sentença de Macumba era definitiva: Zagueiro tem que ter mal hálito pra intimidar o atacante. O negócio é chegar junto com um bafo de onça; beque tem que ter futum de carniça e ponto final. Tem que feder feito presunto desovado.
Tenho boas saudades, também, dos tempos em que jogador de futebol era conhecido pelo apelido. Estamos agora, em tempos dessa titica de futebol globalizado, sob a ditadura do nome e sobrenome. Já pensando em futura carreira no exterior, o garoto passa a ser chamado desde o infantil de Robson Marques, Wellington Souza, Krischna Santos, Wanderklei Rocha, Daniel Silva, Carlos Alberto de Oliveira Porto e o escambau.
No Vila de Cava todo mundo tinha apelido. Havia, até, o apelido do apelido, como é o caso do lateral direito Camunga. Não sei como o sujeito se chamava, mas o apelido era Camundongo – o bicho era branquelo e magricela feito um rato novo. Para virar Camunga foi um pulo.
Sei a razão de algumas alcunhas. Mão Branca era uma referência a um temível chefe do esquadrão da morte da Baixada Fluminense. Em virtude da maneira um pouco ríspida de chegar nos adversários, o zagueiro do Vila passou a ser chamado dessa maneira.
Tornado, o lateral esquerdo, não era conhecido assim em referência ao fenômeno da natureza. O cabra era na verdade os cornos do cantor Toni Tornado, incluíndo uma impressionante cabeleira black power de uns dois metros de altura.
Jorge Macaco era mesmo pretíssimo, quase azulão, enquanto Capiroto – um cracaço – era mais feio que a fome no sertão [apud Manoelzinho Motta, uma espécie de assistente técnico do time]. Abecedário, um centroavante técnico e com monumental domínio da redonda, era rigorosamente analfabeto, de não saber assinar o nome. Dos demais, não me lembro das razões para as alcunhas.
Ou melhor, sei de mais um. Elisangela, o goleiro, na verdade se chamava Valter. Ou Valdir, não lembro direito. Ao deixar o cabelo crescer uma época, ficou a cara da atriz Elisangela. Nunca mais se livrou da sacanagem, e acabou levando a coisa na esportiva.
O estrategista Seu Zezé Macumba, inclusive, gostava de escalar jogadores feios, eu diria até horrorosos, vendo aí mais uma maneira de mostrar aos adversários que berimbau não é gaita. Citava sempre o exemplo do cabeça de área Merica, que chegou a ser titular do Flamengo nos anos setenta, como o dono da melhor expressão facial do mundo para atuar na posição. Merica, diga-se, era assombroso. Macumba insistia na ideia de que Merica jogava exclusivamente por causa de seu feiúme agressivo e intimidador.
Por fim, registro que a camisa do Vila era da maior responsabilidade. Verde e preta com o escudo altaneiro na altura do coração e o número costurado. Hoje em dia o que menos se enxerga numa camisa de clube é o escudo – e tome propaganda na frente, atrás, nas mangas e onde mais houver espaço. Tem camisa oficial de muito clube de tradição que se parece mais com macacão de piloto de corridas, com cinquenta e tantos patrocinadores, incluíndo marca de leite em pó, posto de gasolina, puteiro de rico, supositório e agência funerária.
O pior de tudo isso é que o Vila de Cava já foi oló. Acabou, como aliás está praticamente extinto no Rio de Janeiro o futebol de várzea, um celeiro de craques da maior responsabilidade. Eu, que vi muito futebol comendo solto nos fins de semana em Nova Iguaçu e nos campeonatos de pelada do Aterro do Flamengo, digo, afirmo e faço fé: Tem muito Zé Ruela com pinta de mocinha fazendo sucesso e ganhando os tubos no exterior que, naquele timaço varzeano, ia ter que cortar um dobrado pra esquentar o banco, de preferência torcendo pra não entrar. E olhe lá.
Abraços.
Simas, quais seriam as chances de Lúcio Flávio e Juninho vestirem o glorioso manto do Vila de Cava F.C.?
Abraço,
Dudu.
DUDU, as duas moças – eu prefiro não escrever os nomes das peças – entrariam no cacete com galhardia.
Simas, de onde é essa foto, rapaz?
Quem é essa árvore?
O Vila de Cava tem uma escalação de fazer tremer qualquer time. A primeira zaga do Anhangüera, com Radiador e Parafuso, ombreia a do Vila.
Quanto ao tal Corno Manso, dá pra imaginar qual seria a razão da alcunha.
Fico curiosa é em relação a Carlinhos “nem fudendo”.
Beijo
CLAUDIO, a árvore é o ponta de lança da várzea. Abraço.
FAVELA, meu velho, imagina um prélio entre o Vila e o Anhangüera… coisa de fazer flaXflu ter a dramaticidade de um piquenique em Paquetá.
JULIANA, nem queira imaginar…Eu também não arrisco.
Beijo!
Vila de Cava é terra onde viveu o tio velho Cipriano Apolinario, negro mina centenário, mandingueiro de raiz, também conhecido como Vendedor de Ilusões. Será que o Zezé Macumba conhecia o velho?
Abraços!
genial o seu post,e com certeza faz falta os jogos de várzea nas grandes cidades mais ainda,muito raro de se ver,abraços,ronaldo.
Simas,
Esse texto merecia ser estampado, em letras garrafais, nos estádios de futebol por esse mundo.
É antológico esse texto, de um realismo absurdo, e cheio de imagens que nos levam a ter a certeza de que o futebol praticado pelos atletas desses modernos tempos está mais parecendo coisa de criança crianda soltando pipa na frente do ventilador e criado por avós carolas.
o bravo Merica era feio pra cacete mesmo, mas acho que era menos botinudo do que o Airton. Gostava pacas do Merica, que chegou no Flamengo puxado pelo craque do Atlético de Alagoinhas, o não menos brioso Dendê. Só que este teve vida breve no clube, enquanto Merica foi titular por alguns anos.
Um abraço
Edgar
To passeando aqui nas paginas meu velho, qdo der e c der visita meu canto lá http://www.ecosdotelecoteco.blogspot.com .Aquele abraço
Meu caro Simas,
Destaquei o seu ótimo texto no Balaio de hoje.
Um abraço.
Professor,
Esse seu blogue fomenta o que há de melhor em cada um de nós!
É fabuloso!
Um abraço alvinegro,
R.Pian
P.S: Renato Cajá vem aí e o bicho vai pegar!
O texto é maravilhoso, porem talvés muitos de seus leitores desconhecam que realmente você menininho ia para o campo de futebol assistir as peladas entre os times Vila de Cava X Jardim Nova Era e muitos outros. Lembra? ou já esqueceu? Papai, Tio Alfio Sebastião, Pingo, Jara e outros brigavam o pau comia rsrsrsrs.