O colunista e o Editor

Como havia anunciado no post de abertura da nova casa, hoje temos a estreia oficial da coluna “Histórias Brasileiras”, assinada pelo historiador e professor Luiz Antonio Simas – na foto acima, comigo.

Digo “oficial” pois se o leitor clicar na caixa correspondente à coluna do lado direito poderá ler os textos anteriores do blog do colunista, migrado para cá. Recomendo.

A coluna terá periodicidade ao menos mensal e não terá dia certo na semana. Na estreia Simas se apresenta e faz uma profissão de Fé no Rio de Janeiro.

Diretamente da ‘Mombaça Carioca’

Poucos episódios da história contemporânea do Brasil são mais elucidativos do perfil da nossa elite política, a mesma que está no poder desde Tomé de Souza, que o evento que colocou nos compêndios da pátria a valorosa cidade de Mombaça, no interior do Ceará, em fevereiro de 1989.

Governava o Brasil à época o todo poderoso capitão-donatário do Maranhão – com cartas de sesmaria devidamente concedidas pelos milicos de 1964 – José Sarney. O mandato de Sarney deveria ter se encerrado no ano anterior, mas uma sombria articulação coordenada pelo Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, permitiu ao presidente mais um ano de governo.

O fato é que Sarney fez, naquele ano, uma viagem oficial de uma semana ao Japão. Durante este período, o deputado Paes de Andrade, presidente da Câmara dos Deputados e nascido em Mombaça, assumiu interinamente a Presidência da República.

O que fez, então, o nobre parlamentar para marcar sua passagem pelo governo? Organizou uma caravana de 66 pessoas para inaugurar uma agência do Banco do Nordeste do Brasil em sua cidade natal. A tal agência, vejam vocês, já funcionava em Mombaça há mais de um ano – ainda assim Paes de Andrade considerou que urgia inaugurá-la, com os salamaleques de praxe.

A turma cooptada para o evento viajou, com toda mordomia a que tinha direito, no Boeing 707 da presidência até Fortaleza; ali os convidados embarcaram em portentosos aviões Búfalo, da Força Aérea Brasileira, para Mombaça. A pista do aeroporto da cidade foi aumentada em tempo recorde para permitir o pouso dos aviões que levavam a comitiva do presidente em exercício. A tal pista, reza a lenda, nunca mais foi usada nem para pouso de urubu em dia de calor.

Paes de Andrade, em resumo, via a sua Mombaça como o centro do mundo.

Comecei esta coluna no Ouro de Tolo quase em tom de brincadeira, com a história esdrúxula do dia em que Mombaça foi uma espécie de capital da República, para afirmar o seguinte: o Rio de Janeiro está, para mim, como Mombaça para Paes de Andrade. Explico o chiste.

A cidade de São Sebastião é o umbigo do meu universo, o ponto de onde enxergo até o que acontece, com a devida licença do poeta Ascenso Ferreira, em Oropa, França e Bahia. Minha capital, meu norte, estrela dos navegantes, cinco pontas do cruzeiro que me permitem saber onde estou no mundo.

Sou, enfim, um sujeito limitado pela aldeia – o Brasil – e particularmente pela oca em que moro – a cidade. É sobre ela, ou a partir do olhar que ela me sugere, que pretendo fabular minhas histórias neste espaço.

Não pensem os leitores, todavia, que o meu Rio de Janeiro é uma cidade fechada. Sou neto de nordestinos, bisneto de italiano e português e minha avó era yalorixá de um terreiro na Baixada Fluminense. Vejo o Rio como uma cidade plural, africana, ameríndia, nordestina, portuguesa; dotada de uma tensão criadora capaz de inventar mundos novos e subverter os já inventados.

Abro os trabalhos por aqui, então, com essa profissão de fé. É desta minha Mombaça tupinambá, cortada pelos rios que deságuam na Guanabara, governada por um Paes que não é o de Andrade, que brincarei com as palavras para afagar o mundo.

Permitam-me concluir citando um pequeno trecho que escrevi em outra ocasião para, de certa forma, sintetizar tudo isso. Pediram para que eu me definisse em dois parágrafos. Eu escrevi, e estou quase oficializando esta declaração em cartório, o que vai reproduzido abaixo:

Meu nome é Luiz Antonio Simas e firmo o que segue como profissão de fé: acho um drible de Mané Garrincha mais elegante que desfile de moda, a feira de Caruaru mais sofisticada do que loja de grife, a dança do mestre sala mais nobre que o pliê de um bailarino clássico e o gibão de couro de Luiz Gonzaga mais imponente que as fardas e galardões dos generais. Sou adepto da festa e das frestas; homem de ritos encantado pela solidão das toadas, comovido pelas marchas dos ranchos e enfeitiçado por curimbas de todos os tipos.

Insisto, por tudo isso, em lançar sobre o Brasil, a partir da minha rua, uma mirada grávida de encantamentos, crenças, sons, defesas milagrosas, gols impossíveis, cheiros de litorais, aromas de florestas e afeto desmedido pelo povo miúdo que, na sabedoria da escassez, reinventa a vida e civiliza o chão de onde vim e é a raiz melhor do que eu sou.

É disso que eu falo.

Abraços.