Hoje o texto da série Escola do Meu Coração será sobre a Unidos do Viradouro, com autoria de Michel Poubel, servidor público, componente da Viradouro entre 2004 e 2007 e diretor de harmonia desde 2008. Aliás, a agremiação fará seu ensaio técnico na Sapucaí neste fim de semana, com Michel e tudo.
Desfilei na Viradouro em 2004, embaixo de um dilúvio tão grande que não pude estar no Desfile das Campeãs porque a minha roupa ficou imprestável. Aliás, qualquer dia conto aqui a história das duas componentes que iam se afogando em uma poça de água…
Durante o texto temos três áudios dos tempos em que a escola desfilava no carnaval de Niterói: 1979, 81 e 85, pela ordem.
“Ah! Obrigado, Dercy! Mercy, Dercy!”
Certo dia, um menino do interior foi ver televisão. Era o Carnaval de 1991. Para uma criança, todo aquele enredo jocoso era muito atrativo, era Dercy Gonçalves de seios de fora e toda sua história. E toda aquela magia que aconteceu naquele fim de tarde, marcou para sempre o coração do menino.
O menino migrou, mudou-se para o Rio de Janeiro, e foi ver pela primeira vez os carros na Presidente Vargas. Deparou-se com algo muito marcante: era o carro dos cães siberianos só que “Aí, o zumbido da fatalidade que atinge a cidade traz mais uma desilusão”. Os místicos ciganos diziam que faltava o elemento fogo no enredo e aquele mesmo carro durante a noite em seu desfile pegaria fogo e causaria comoção em toda Sapucaí. A escola resistiu e persistiu.
O garoto foi crescendo e sua escola do coração o fez aprender uma grande lição. “A saga de Tereza de Benguela, uma rainha africana escravizada em Vila Bela”, mostrada pelo mestre Joãozinho Trinta, que fazia sua estreia na Viradouro. O mestre o ensinou através da história contada que poderia haver união de pessoas de diferenças etnias e crenças com todos vivendo em harmonia. E, tal como nossa bandeira de um aperto de mãos entre um branco e um negro, a escola foi unida para a sua melhor posição até então: o terceiro lugar.
Os anos foram se passando, ambos crescendo, mas cada vez mais distantes. Tudo parecia conspirar contra. E antes da explosão fez-se o caos, só que o caos viradourense seria aquele péssimo desfile de 1996. O agora já adolescente, ia com expectativa de mudar de escola naquele dia. Aliás, que dia! Do caos fez se a explosão! Big Bang a explosão do Universo!
No início daquele desfile apenas o adolescente curtia solitariamente aquela escola. Não havia bandeiras, nem papel ou de plástico, não havia torcedores. E a Sapucaí ficou espantada com o caos todo negro e logo em seguida o brilho de prata pelo ar. “E com coração nessa folia, seja noite, ou seja dia” a Sapucaí se acabou, e a Apoteose caiu na gandaia com a sua bateria de paradinha funk. Coisa igual não mais se viu: Viradouro campeã do Carnaval!
No ano seguinte, as coisas já estavam mudadas. Desta vez a escola tinha mais admiradores e estava badalada. Tão badalada que durante seu desfile seria gravado um trecho de filme (anos posteriores seria conhecida a estória que a pedido da produtora do filme, Joãozinho Trinta alterou o roteiro do desfile às pressas e isso custou pontos importantes no resultado final).
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O amor que esteve no ar naquele dia conquistou o coração da Avenida. E o Reino de Orfeu passou com toda sua força e seduziu a todos, foi aclamação geral. Mas “tristeza não tem fim, felicidade sim” e veio à quarta-feira de cinzas e, a despeito da queda do chapéu da porta bandeira e a mudança do roteiro, aquele obscuro resultado de quinto lugar não fez jus ao reconhecimento de um desfile magistral até hoje lembrado pelo viradourense e quem gosta de carnaval.
A ampulheta do tempo foi passando e a Viradouro continuou agregando cada vez mais admiradores e pondo a Sapucaí de joelhos. Sim, isso literalmente aconteceu em 2001 com a passagem de Ciça e seus comandados. E Luma de Oliveira eternizou um dos momentos mais marcantes da escola ao também se ajoelhar perante aos seus súditos ritmistas.
Depois de várias passagens marcantes de sua escola na Avenida, o já jovem adulto torcedor carioca, foi conhecer a sua amada Viradouro e seus torcedores de perto. E lá conseguiu se apaixonar novamente com aquele povo tão bem receptivo e lá aprendeu que o seu amor “nasceu onde o bonde virava” e que apesar de ser vermelho e branco veio ao mundo batizado pela Portela em azul e rosa e se tornou a maior vencedora dos carnavais niteroienses.
E, na Jangada da ilusão, foi estrear finalmente em seu “Amor em Tom Maior” no Círio de Nazaré em 2004. Nem mesmo a chuva foi capaz de apagar o brilho do desfile. E com uma emocionante homenagem a uma festa religiosa, a Viradouro conseguiu algo até hoje inédito, uma reedição ter uma colocação melhor que o desfile original.
Após um sorriso amarelado, veio o ano que fez bater forte do torcedor viradourense. Com muita garra, fizemos um grande desfile, tanto que nos últimos quesitos a escola liderava e por quatro décimos o título não veio depois de nove anos.
E muita esperança encheu no peito do já adulto e componente da Viradouro. Era Paulo Barros, o carnavalesco da moda, chegando ao Barreto. Acreditava-se que com a vinda dele, a sorte tanto dele quanto da escola mudaria. Fomos tentar Virar o Jogo.
Jamais será esquecido o frisson na Sapucaí quando do carro da bateria. Nunca um recuo foi tão comemorado quanto naquele dia. Mas como diria o cancioneiro viradourense “Tristeza não tem fim, felicidade sim.”
Reza a lenda que o motivo principal do resultado inesperado de quinto lugar em 2007 era o que acabou se instalando nos anos seguintes. Foram anos de chumbo. Tenebrosos. Tanto que fomos péssimos, catastróficos. E numa conjunção de fatores negativos fomos rebaixados.
Assim, fomos reconstruindo passo a passo a Viradouro. Hoje em dia não seremos mais aquela Viradouro classuda e vanguarda dos anos 90 de Joãozinho Trinta, ou a Viradouro tradicional e transgressora dos 2000. Com uma comunidade atuante, o que muitos duvidavam após a queda, e revelando novos talentos, hoje somos uma rejuvenescida Viradouro moderna e emocionante sim, porque não? Como é bom amar essa coroa de 68 anos toda enxuta.
E hoje a mesma a Ponte que trouxe o menino do interior pra morar no Rio de Janeiro, também trás quem tem a mesma fé que o garoto carrega no peito até hoje. E assim o canto mais forte que atravessa o mar chega a Sapucaí.
“Salve todos os orixás Agô meu pai Oxalá Viradouro na Avenida fazendo o povo cantar” Ah Obrigado Dercy! Mercy Dercy!