Hoje a noite, quando as escolas do grupo especial de São Paulo entrarem na pista do Anhembi e as da Série A do Rio pisarem na Marquês de Sapucaí, poderemos dizer oficialmente que foi dada a largada para mais um carnaval.
Carnaval que nos interessa. Desfile de escolas de samba.
Já estão rolando blocos, bailes, trios, mas o que nos motiva, arrepia a pele e faz que com o coração bata mais forte é ver escola de samba na avenida. Ouvir samba-enredo, bateria, ver carro alegórico, fantasia, o bailado do casal de mestre sala e porta bandeira, a ginga da passista.
Amamos samba. Amamos escolas de samba.
Esse carnaval prometia ser onde ficaria mais afastado. Pela primeira vez em quinze anos não ganhei samba-enredo. Não haverá nenhum composto por mim em avenidas, nem pensava em carnaval. Mas algumas coisas ocorreram e virou o ano com maior participação minha. Fui a várias escolas, ouvi sambas, fui a quase todos os ensaios técnicos e muito trabalho me espera nesses dias de folia.
Esse carnaval promete ser de muito trabalho para mim e para as escolas no que parece ser um dos mais equilibrados que já tivemos – mesmo sendo pintado de azul e branco.
O carnaval 2015 promete trazer um duelo entre duas dinastias. Pela primeira vez as duas soberanas da história dos desfiles frente a frente em um duelo entre tradição e modernidade, criador e criatura, entre aves que voam alto na folia carioca.
Uma já tinha 19 títulos quando a outra venceu pela primeira vez. Essa, quando venceu pela primeira vez, citava o patrono da super campeã (recém falecido) em seu samba em sinal de respeito. Quando uma era soberana a outra nem do principal grupo era. Quando a outra se impôs a tradicional passou momentos difíceis.
Já foram campeãs juntas, em 1980, mas na época ainda não existia a briga pelo poder, pela soberania e hoje tudo leva a crer que finalmente teremos o duelo de titãs entre Portela e Beija-Flor.
Beija-Flor, ferida pelo sétimo lugar de 2014, vem negra, afro, trazendo todos os elementos que ela gosta e lhe fez suprema dos anos 70 pra cá. Comunidade com sangue nos olhos querendo recuperar o título que não vem desde 2011 e vê na Unidos da Tijuca e em Paulo Barros, agora separados, ameaças a sua dinastia recente.
Do outro lado se ouve um estrondo e um levantar de poeira. É de um gigante que estava caído e se levanta sacudindo a poeira, tirando a mesma dos joelhos ainda machucados e se erguendo para dizer “quem manda aqui sou eu”. É a Portela, dona de 21 títulos. Escola que não vem sangrando por causa de um sétimo lugar, mas de 30 anos sem títulos. Trinta anos que machucaram o coração portelense e fazem um grito engasgar de forma sufocante. O de campeão.
Portela x Beija-Flor. As duas em condições de igualdade profissional e emocional. Portela trazendo o Rio na alma com sede de vitória. Beija-Flor negra que encara calor e chuva com raiva, raça e fome de redenção. O duelo mais esperado da história do carnaval finalmente acontecerá – e quis o destino e o sorteio que as duas desfilem em sequência imediata na segunda feira.
Mas com “coadjuvantes” loucas para atrapalhar esse duelo.
Unidos da Tijuca x Paulo Barros.
Na última vez que se enfrentaram, período Paulo Barros na Viradouro, os dois lados perderam. Paulo Barros quer provar que agora sabe viver sem a Tijuca, Tijuca que agora sabe viver sem Paulo Barros. No meio desse duelo a Mocidade, que quer provar que sabe viver sem Castor.
Tem Grande Rio que quer provar que pode ser divertida assim como Imperatriz que quer provar que pode ser quente. Mangueira com perigoso estilo anos 80 resgatado. União da Ilha que ano passado não foi sem querer e vive seu melhor momento nos últimos 30 anos.
Vila, também ferida, que 2014 ficou para trás. Salgueiro com profissionalismo e organização querendo o título que escapou por tão pouco ano passado. Muitas candidatas, poucas vagas nas campeãs e a certeza que gente muito boa ficará de fora.
Até embaixo esse ano tem disputa. Coisa que nunca tem. São Clemente com o melhor enredo do ano e um samba que poderá ser um dos melhores de sua história enfrenta a Viradouro que tem bandeira pesada o suficiente para envergar um mastro e pôr dúvidas na hora de rebaixar quem sobe.
Viradouro, que foi a última vítima da quebra de tabu da escola campeã do acesso permanecer no especial, quer dar o troco em alguém. Arriscou tudo no samba escolhido juntando duas músicas populares. Disputa que promete décimo a décimo.
Não sou de ficar no muro, mas vou ficar. Acho que a São Clemente nunca correu tantos riscos em sua permanência no especial quanto esse ano. Tá em aberto.
Para voltar entre as seis, acho que Salgueiro, Imperatriz e Ilha voltam. União da Ilha pode ser a grande surpresa desse carnaval. Fiquem de olho em duas marcas: Melhor colocação da história da escola, 1980 vice campeonato [1]. Melhor colocação na era Liesa, 1989 terceiro. As duas marcas, ou uma delas, pode cair.
Na sexta vaga vejo briga entre Mocidade, Tijuca, Grande Rio e Mangueira. A briga passa por alguns pontos. Efeito Paulo Barros. Se seu carnaval dará certo ou não. Política. Como estão Tijuca e Grande Rio na Liesa. Samba. O samba da Mangueira pode colocá-la entre as seis.
Para campeã, acho que teremos uma consagração. A do samba que desde agosto, praticamente sozinho, eu digo que será o samba do carnaval. O samba da Portela entrará à história do carnaval como o da 22ª conquista.
Acesso embolado também. Cubango, Padre Miguel, Império da Tijuca e Estácio brigando décimo a décimo pelo acesso. Império Serrano tentando atropelar por fora na força de sua bandeira, assim como a Viradouro no especial.
Mas minha curiosidade e toda atenção a uma escola que esteve recentemente no especial e agora pode ter dificuldades até para ficar na serie A. Renascer e seu lindo samba. Curiosidade também em como a Unidos de Bangu, escola com tão bonita trajetória recente, se sairá na Sapucaí.
Para as outras escolas da Ilha prevejo um carnaval muito complicado. Acadêmicos do Dendê e Boi da Ilha lutam para permanecer onde estão. Acho que as duas permanecem. Mas têm que repensar seus futuros e trajetória recente.
Tudo que eu disse nessa coluna é futurologia, meros palpites de quem não tem muita coisa a fazer. Não levem a sério, nem se zanguem. A diversão é arriscar e errar também – se bem que o Migão espera que eu acerte… A partir dessa noite que teremos as respostas.
Mas duas coisas eu digo. Esse carnaval será inesquecível, de muita emoção.
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Bom carnaval.
[N.do.E.: vale dizer que este vice campeonato, na verdade, foi um quarto lugar, porque foram três as campeãs naquele 1980. Usando um exemplo, quando há duas campeãs nos Jogos Olímpicos não há oferecimento da medalha de prata. PM]