Nenhum quesito mudou tanto as instruções do Manual do Julgador para este ano como Harmonia. Depois de muitos anos de solicitação, a LIESA finalmente detalhou com maior minúcia o que está em julgamento neste quesito e abraçou de vez a entrada do julgamento do carro de som e dos intérpretes no quesito. Naturalmente isso acabou levando a uma mudança no padrão e no peso de julgamento de alguns julgadores e um deles fez questão de escrever sobre isso em seu caderno.
Em relação às notas concedidas, o quesito seguiu a tendência geral com o fim da comparação e saltou de 22 notas 10 em 2024, ou 46%, para 29, ou 60%; por sua vez a quantidade de 9,8 caiu de 9 para apenas 6, ou 12,5%.
Módulo 1
Julgador: Bruno Marques
- UPM – 9,8
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 9,9
- Mangueira – 9,7
- U. da Tijuca – 9,9
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 9,9
- Vila Isabel – 9,8
- Mocidade – 9,8
- Tuiuti – 9,6
- Grande Rio – 10
- Portela – 9,9
Bruno Marques é um julgador por quem tenho uma admiração antiga, com julgamentos sempre bastante completos e equilibrados entre canto de ala e carro de som. Porém esse ano foi nítido que ele deu uma apertada na verificação do canto das alas, muito mais cobrada por ele em relação aos outros anos, em relação ao carro de som. Ele mesmo irá explicar os motivos disso em suas considerações gerais.
Uma curiosidade estatística é que com apenas três notas 10, Bruno esse ano foi o julgador com menos notas máximas.
Quanto ao caderno em si, foi visível o aperto que ele deu na atenção ao canto das alas, foram quase 30 alas canetadas em todo o caderno. Isso inclusive explica as notas baixíssimas de Mangueira e Tuiuti, com seis e nove alas justificadas com canto insuficiente. Qualquer pessoa que tenha acompanhado o desfile com mais atenção provavelmente concordará com o julgador: claramente faltou muito canto em ambas as escolas e as diversas paradonas da Mangueira esse ano só exacerbaram o problema.
Para quem acredita que eu persigo a Mangueira, apenas peço para comparar o resultado sonoro das paradonas de Beija-Flor, Portela e até Grande Rio com os da Mangueira para comprovar meu ponto.
Ainda nesse ponto das alas com canto deficitário, se alguém fizer a “verificação nominal” das alas apontadas, várias delas tem fantasias muito pesadas e isso também será objeto das considerações gerais do julgador.
Por outro lado, apenas cinco problemas pequenos de canto do conjunto musical apontadas, quatro delas sem força suficiente para retirar sozinha um décimo inteiro da escola, a exceção da UPM que a gravidade maior está bem retratada na justificativa.
Quanto à dosimetria, caderno irretocável. Tudo muito claro e coerente.
O julgador fez uma longuíssima e abrangente consideração final que tentarei resumir aqui:
1 – Parabenizou a LIESA pelas boas mudanças feitas no Manual do Julgador neste quesito.
2 – Explicou que, em consonância com o debatido no simpósio de 2024, a maior quantidade de critérios técnicos para o conjunto musical (o que chamamos popularmente de “carro de som”) tende a causar uma quantidade de apontamentos desproporcional em relação ao canto da escola em sua totalidade, sendo que este é a “alma” do desfile no quesito.
Por isso, para fazer a devida compensação, cada ala apenas com canto deficitário já foi punida com -0,05.
3 – Ele explicou mais uma vez que a indicação de frações abaixo de um décimo, como ele faz há alguns anos, permite um julgamento mais minucioso favorecendo a clareza na dosimetria. Mas como a despontuação mínima é de um décimo, toda vez que a nota final, após as despontuações, fique com algum centésimo sobrando, ela é arredondada para cima.
4 – Bruno é mais um julgador a chamar atenção para os prejuízos do excesso de peso das fantasias e daquelas que cobrem o rosto do componente. Ele explicou que, apesar de ainda ser possível cantar nessas condições, o canto é mais desafiador e a chance da escola ter penalizações por falta de canto aumenta muito.
Sobre o último ponto, reitero o que já escrevi acima: em uma simples verificação das alas apontadas pelo julgador com falta de canto, se perceberá que uma quantidade considerável delas se encaixam na descrição de fantasia feita pelo julgador.
Módulo 2
Julgador: Rodrigo Lima
- UPM – 9,8
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 9,9
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 10
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 9,9
- Tuiuti – 10
- Grande Rio – 10
- Portela – 10
Para um julgador que tem um histórico de distribuição de notas 10 no atacado, com uma média de oito por ano em seus quatro anos anteriores, juntando com a tendência desse ano de ter ainda mais notas máximas, as nove notas 10 deste ano não surpreendem.
Mas, voltando ao tema recorrente desta justificando, continuarei na curiosidade para saber como ele conseguiu achar duas notas 10 para Mangueira e Tuiuti que tiveram problemas evidentes de canto, como já discutidos no módulo acima.
Só que aqui eu tenho uma hipótese: ambas as escolas ganharam nota 10 do julgador porque ele simplesmente ignorou completamente o canto da escola pelas alas. Absolutamente todos os décimos descontados foram por problemas no conjunto musical da escola.
Na UPM, uma perda progressiva na igualdade do canto causada pelas variações bruscas de andamento (olha ela aparecendo de novo aqui) além de uma problema recorrente de afinação dos intérpretes no trecho “orixá responde”. Na Viradouro, dificuldades recorrentes no andamento que prejudicaram a coesão entre o Wander e os auxiliares. Por último, na Mocidade, perda considerável de andamento com prejuízos na manutenção da igualdade de canto da escola.
Ao fim da Mocidade ele ainda aponta que o “o canto da agremiação não foi capaz de provocar uma integração efetiva e vibrante entre seus componentes, havia de maneira geral uma falta de engajamento em muitas alas, o que prejudicou a totalidade do canto da escola durante o desfile.”.
Isso foi o máximo que o julgador escreveu sobre canto dos componentes, critério de avaliação importante do quesito. Ainda sim, ele viu problemas na Mocidade nesse ponto e não viu na Mangueira nem no Tuiuti que estavam consideravelmente menos engajados que a Mangueira? Ele não reparou o que ocorreu nas paradonas da Mangueira? Eu estava a menos de 10 metros do julgador assistindo aos desfiles, falo pelo que eu pude (não) ouvir.
Por fim, em relação ao pouquíssimo que ele escreveu, a única discussão é quanto a nota da Mocidade. Se houve perda da igualdade além de uma falta de engajamento geral no canto como ele descreveu, a nota mais apropriada me parece ser o 9,8, principalmente comparando com a UPM que teve problemas de monta parecida, já que a gravidade das bruscas alterações de andamento com o problema, recorrente mas bastante localizado, de afinação não me parecem tão mais graves do que a perda da igualdade do canto e a falta de engajamento geral dos componentes.
Enfim, mais uma vez um caderno com poucos descontos e algumas discussões nesses poucos descontos.
Módulo 3
Julgadora: Júlia Felix
- UPM – 9,8
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 10
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 9,9
- Beija-Flor – 10
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 10
- Tuiuti – 9,9
- Grande Rio – 10
- Portela – 10
Outro caderno com nove notas 10 e apenas três justificativas.
A da Tijuca está muito bem explicada por um problema de dificuldade de interpretação por falta de boa dicção no trecho “de tudo que aprendi…inquieto e intenso”.
O do Tuiuti está também bem calcado na falta de canto em 4 alas, único desconto dela por falta de canto. Bem anotado pela julgadora aqui, mas de novo fica a pergunta que ficarei sem resposta: na Mangueira o canto foi considerado satisfatório? Mais um da longa lista de 10 que ficamos sem entender no julgamento deste ano.
Agora, o grande problema deste caderno é a justificativa da UPM. A julgadora apenas escreve “A intensidade do canto dos intérpretes sofreu alteração a partir da segunda metade do desfile, comprometendo a manutenção da afinação no seguimento do cortejo” e retira de uma facada só dois décimos.
Na melhor das hipóteses, a justificativa está incompleta. Que alteração foi essa? Qual foi a consequência dessa alteração? No que ela prejudicou a escola dentro dos critérios de julgamento do quesito? Ela durou até o fim e se tornou um problema recorrente?
A justificativa nada se aprofunda sobre o problema e esse texto raso é o suficiente para a julgadora retirar dois décimos de uma só vez da escola e dar a única nota 9,8 em todo este caderno.
Até podemos vislumbrar situações em que uma falha com as poucas características relatadas pela julgadora seja grave e longa o suficiente para se descontar dois décimos de uma só vez, mas isso precisaria ser descrito com muito mais detalhes na justificativa para permitir uma melhor avaliação da dosimetria.
Além do já discutido, não há mais o que falar deste curto caderno da julgadora em seu segundo ano no júri.
Módulo 4
Julgador: Jardel Maia Rodrigues
- UPM – 9,8
- Imperatriz – 10
- Viradouro – 10
- Mangueira – 10
- U. da Tijuca – 9,9
- Beija-Flor – 9,9
- Salgueiro – 10
- Vila Isabel – 10
- Mocidade – 10
- Tuiuti – 9,9
- Grande Rio – 10
- Portela – 10
O maestro de corais Jardel continuou sua tradição de focar o julgamento com atenção no canto dos componentes. Dos parcos cinco décimos retirados, quatro foram por falta de canto em alas. Uma enorme coincidência é que desses quatro descontos, em três ele achou a mesma quantidade de alas com canto precário: cinco.
Agora, mesmo sob o risco de parecer ser chato e estar criando uma perseguição: o canto da Mangueira estava bom o suficiente para ganhar um 10?
Eu nem irei questionar como o julgador conseguiu achar 5 alas da Beija-Flor sem cantar, mesmo sendo a escola que mais berrou seu samba no ano, porque ele estava no módulo 4 e possivelmente as fantasias excruciantes que se tornaram regra nos últimos anos podem ter feito suas vítimas.
A única escola penalizada por problema sem ser canto de ala foi a UPM por pouca clareza no canto e imprecisão de algumas notas quanto à afinação (aqui, acredito ser do carro de som, mesmo que não especificado pelo julgador), causando falta de consonância em relação a base harmônica.
Particularmente acredito que o Jardel, assim como eu senti também no caderno do Bruno, foi mais condescendente com os carros de som devido aos inúmeros problemas do sistema de som da Sapucaí esse ano. Algo totalmente justo e razoável. Mas eu me pergunto porque sempre nas horas o único desconto normalmente sobra para a escola que sobe ou para um Tuiuti da Vida?
Por fim, em suas considerações gerais, o julgador escreveu que esse ano não pode anotar a minutagem das ocorrências como sempre faz porque de seu ponto de vista não era possível enxergar nenhum cronômetro.
Recomendações para a LIESA no quesito Harmonia:
- Clarificar no Manual do Julgador a situação do julgamento do carro de som antes dele passar na faixa de início do desfile e antes da escola chegar ao módulo. É possível julgar pela caixa de som mesmo o carro de som ou a escola como um todo estando distante do módulo? Se sim a partir de quando e até quando?
- Dar maior atenção a qualidade do som da Sapucaí para evitar interferências no julgamento de Harmonia.