Nesta terça feira a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, fala sobre o novo Ministro indicado ao Supremo Tribunal Federal e a influência que ele pode ter no processo do Mensalão.
Eu, o Ministro, o Mensalão
Um dos grandes orgulhos da minha vida foi ter participado intensamente do movimento estudantil. Era uma outra época, acrescento, a Ditadura havia acabado fazia pouco, o Muro de Berlim ainda estava de pé, não há paralelo entre o que se acreditava e praticava naquela época e no que professamos nos dias atuais.
Faço essa ressalva porque vou contar uma história que envolve uma greve de professores e funcionários apoiada com entusiasmo pelos estudantes, algo que hoje eu acharia um absurdo. Mas vamos lá, porque a história agora tem algum valor.
Eu estava no piquete na porta da UERJ, impedindo as pessoas de entrar. Bom, o prédio principal da UERJ tem várias entradas, eu estava em uma delas. E o piquete ia bem, quase ninguém passava por nós. Até que, lá pelas 10 e meia, alguém veio me avisar que na Faculdade de Direito tinha um professor dando aula. Fui lá, cheio de razão, disposto a interromper a aula no grito.
Fui andando pelos corredores vazios pelo sétimo andar, para logo concluir que o fura-greve estava dando aula para os alunos dos primeiros períodos. Chegando lá, tomei um susto ao ver quem se atrevera a furar o movimento. Abri a porta, indignado:
– Beto, não acredito que é você! Que vergonha. A UERJ inteira parada e você aqui, dando aula. Só me faltava essa…
Até então, eu nunca tinha chamado o Professor Luis Roberto Barroso de “Beto”, mas era assim que ele era conhecido no movimento estudantil. Antes de eu entrar na faculdade, ele era uma lenda viva entre os militantes. O Centro Acadêmico tinha sido fechado no período mais acirrado da Ditadura, até que na Abertura alguns alunos mais valentes resolveram reabri-lo na marra. O primeiro presidente tinha sido o tal Beto.
Alguns anos depois ele retornou à faculdade, para substituir às pressas o professor de Direito Constitucional que falecera. E a primeira turma para quem ele deu aula foi a minha. Ele era o professor mais novo da faculdade. Dez anos mais velho que a gente, mais ainda assim uns 80 anos mais jovem que a maioria dos mestres. Por isso eu não me conformei quando vi um cara com uma bagagem dessas sendo o único a furar a greve.
Um dia a greve acabou, as aulas voltaram, tudo parecia normal, até que me mandaram um recado: que o Professor Barroso estava me esperando na Congregação de Professores para uma conversa. Fui lá, resignado, pronto para ser repreendido pela minha insolência, mas o desfecho foi inesperado:
– Walter, queria te pedir desculpas. Você conhece a minha história, sabe que eu jamais furaria uma greve de forma deliberada. Entrei na UERJ pela porta lateral, não tinha ninguém, peguei o elevador, encontrei os alunos me esperando, resolvi dar aula, achando que outros fariam o mesmo. Mas me arrependi, tanto assim que não voltei mais aqui até que o fim da greve fosse decretado.
E depois desse inusitado pedido de desculpas a um moleque abusado, ele entrou no assunto definitivo: queria o apoio do DCE para expulsar da faculdade um professor que havia sido denunciado como torturador (que acabou saindo mesmo e sem que a gente precisasse fazer muito esforço, acho até que o safado ficou com medo de ser linchado pela militância raivosa e pediu o boné).
Por que estou contando essa história? Bom, além de poder me gabar de ter encurralado um agora Ministro do STF, o faço para dizer que, antes de mais nada, o novo Ministro é um cara do bem, uma pessoa cujo passado revela que sempre esteve, digamos, “do lado certo”.
E reafirmo isso porque ele agora vai para o centro de uma batalha inglória, o processo que insiste em não terminar.
Para a grande maioria dos brasileiros, o processo do Mensalão (o “chamado Mensalão”, para fazer uma média com os que, que, tal e qual a Velhinha de Taubaté, ainda acreditam na pureza dos petistas) é uma página virada e só questão de tempo para enjaular Dirceu e sua corja, que ainda não foram ver o sol nascer quadrado só porque a nossa justiça é tolerante às manobras protelatórias de advogados ladinos.
Infelizmente (ou, quem sabe, felizmente) na vida real a história não é exatamente assim. Há dois recursos muito importantes ainda pendentes.
O primeiro já está nas mãos de Joaquim Barbosa: chama-se Embargos de Declaração e, como muita gente aprendeu acompanhando o noticiário, não serve para mudar a decisão, mas “apenas” para corrigir erros e sanar omissões.
Ok. Ocorre que há um erro clamoroso (talvez até mal intencionado) na decisão e a chance desse recurso corrigi-lo é alta. Explico.
José Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão, sendo 2 anos e 11 meses pelo crime de formação de quadrilha. José Genoíno a 6 anos e 11 meses, sendo 2 anos e 3 meses pela formação de quadrilha.
A gênese do Mensalão – estabeleceu o STF e antes dele, a VEJA – foi o oferecimento de vantagem financeira ao deputado Roberto Jefferson, em uma reunião intermediada pelo então presidente do PTB, José Carlos Martinez. Que, como se sabe, morreu em outubro de 2003.
No entanto, para poder condenar os réus com base na nova lei de formação de quadrilhas, editada em novembro de 2003, Joaquim Barbosa enfatizou que a reunião com Jefferson e Martinez ocorrera em dezembro de 2003. Insistiu nisso mesmo quando indagado pelos colegas.
Quando os embargos forem julgados, é de se esperar que esse detalhe seja corrigido, fazendo com que a pena de ambos caia.
Logo depois, vem outra pedreira…
Quando um recurso não é acolhido por unanimidade, em geral cabe um recurso chamado de Embargos Infringentes. Não vou entrar em minúcias, mas isso permite a revisão do mérito já julgado.
A grande dúvida – e que realmente ninguém sabe responder – é se esse recurso pode ser utilizado no caso do Mensalão, quando, de forma pouco usual, o STF não foi uma instância recursal, mas sim o órgão julgador originário (e definitivo).
Bom, se esses embargos forem aceitos, o caso volta ao ponto de ebulição. Não exatamente para absolver os réus, o que a essa altura parece impossível, mas, quem sabe, em busca de uma pena menor. Com menos de 8 anos de condenação, Dirceu não vai para o regime fechado. E Genoíno, que já não iria mesmo para o regime fechado, talvez escape até do semi-aberto.
E aqui volto ao novo Ministro. Como votará Sua Excelência nesse caso tão emblemático?
É razoável esperar que, tendo a prerrogativa de mudar os juízes no meio do jogo, Dilma e seus assessores não tenham se certificado que Teori Zavascki e Luis Roberto Barroso teriam, ao menos, uma postura mais simpática aos interesses dos companheiros?
Por outro lado, até que ponto iria a, digamos, “lealdade” dos dois novos Ministros diante de uma campanha raivosa da mídia conservadora, que não vai admitir nada que não seja o encarceramento do Darth Vader vermelho?
Difícil saber… Só sei que essa chatice de Mensalão ainda vai nos aporrinhar por um bom tempo. E que um cara tão bacana como o novo ministro não merecia estrear no Supremo sob o fogo cerrado dessa luta política, que, a rigor, nem deveria estar no Judiciário, ao menos não com tanto destaque…
Boa sorte, Mestre. Você vai precisar dela.