Nesta terça feira, a coluna “Kritizismus”, do administrador Jorge Farah, faz uma análise da economia do Rio de Janeiro nas últimas décadas.
A Decadência e a Retomada Econômica do Rio de Janeiro
21 de abril de 1960, às 9 horas da manhã, o então presidente Juscelino Kubitschek fechou os portões do Palácio do Catete, transformando-o no Museu da República no ato que simbolizou a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília. Na época, houve quem achasse que o acontecimento significaria a libertação da antiga capital, que ganharia autonomia, podendo eleger seu governante (até 1990, o governador do Distrito Federal era nomeado pelo Presidente da República).
Após deixar de ser capital, o Rio virou uma cidade-estado, com o simpático nome de Guanabara. O carioca não teve do que se queixar da primeira década. Porém, a partir dos anos 70, os problemas começaram quando as verbas federais minguaram, o poder aquisitivo de milhares de servidores e de terceirizados já havia sido transferido de forma gradativa para Brasília e empresas, que viam na proximidade com o centro de poder político uma externalidade positiva, se migraram. Além do status, o Rio tinha perdido o dinheiro da economia ligada à burocracia estatal.
1º de julho de 1974, sem grandes cerimônias, de forma autoritária, o presidente Ernesto Geisel sancionou a lei da fusão dos estados do Rio de Janeiro com a Guanabara, que seria implementada a partir de 15 de março do ano seguinte. O objetivo declarado era de impulsionar o desenvolvimento da economia pobre, rural e atrasada do estado fluminense. Cientistas políticos enxergam uma tentativa de travar o crescimento do MDB carioca, fazendo com que o novo diretório local passasse a ser dividido por dois líderes: Chagas Freitas e Amaral Peixoto. Independente das verdadeiras razões, o fato é que o Rio de Janeiro perdeu sua dupla fonte de arrecadação (como cidade e como estado) e ainda teve que sustentar uma região maior e menos favorecida economicamente.
Os anos seguintes aos atos forçosos do governo Central foram ainda mais tenebrosos. O estado parecia divorciado dos governos federais, em um processo de separação cada vez mais litigioso, quase de briga. Governos populistas se revezaram com privatistas. A polícia alternou entre receber ordens para não subir os morros (o que gerou um vácuo pela ausência das forças de segurança, que acabou sendo ocupado pelo crime organizado) e gratificações por bravura (a famosa “gratificação faroeste” que acabou premiando a violência). A sensação de insegurança foi amplificada pela Rede Globo de Televisão em sua briga política com Brizola. Isso na época de maior expansão internacional do narcotráfico impulsionado pela troca da maconha por cocaína e com o Brasil exercendo um papel chave na logística da distribuição das drogas para a Europa e América do Norte.
Cidade e Estado caíram nas mãos do crime organizado. Empresários viviam sob ameaça de sequestros ou tendo que arcar com custos de pagar “tributos” a traficantes e corruptos. A “indústria do medo” crescia com vendas de blindados, cercas e aparelhos de segurança. Empresas e setores inteiros se mudavam para outras unidades da federação. A indústria naval, dependente de subvenção, estagnou com quebra quase completa da produção dos estaleiros. As fusões no setor bancário extinguiram milhares de postos de trabalho. O desemprego trazia a marginalidade para parte da população, gerando violência, afastando investidores e agravando o desemprego, num terrível ciclo vicioso. O custo Rio de Janeiro subia exponencialmente.
No lugar do charme da antiga capital federal, o que se via era: corrupção espalhada na policia e no judiciário, beneficiando bandidos; parlamentares e prefeitos de várias cidades ligados ao crime organizado ou a grupos de extermínio; glamourização no consumo de drogas pela elite; apologia à criminalidade em manifestações culturais populares; assassinatos sistemáticos de policiais e jornalistas; ameaças e constrangimento às autoridades que mostravam determinação em cumprir seu dever de ofício lutando contra esse estado de banditismo e tentando combater o narcotráfico.
Pouco depois, foi a vez da captação direta das forças de segurança pelo banditismo, com o surgimento e fixação das milícias. Policiais, bombeiros, agentes penitenciários e militares tornavam-se “donos” das comunidades de baixa renda. Com o princípio de garantir a segurança, não oferecida pelo Estado contra narcotraficantes, os milicianos passaram a extorquir moradores e comerciantes. Através do controle armado passaram a controlar os fornecimentos dos serviços na região.
Ambulantes vendiam de tudo pelas ruas da cidade. A população se aliviava em qualquer lugar e as ruas fediam a urina e fezes. Esgoto corria a céu aberto. Uma série de construções irregulares se espalhava. Assaltantes roubavam e matavam sem piedade. Veículos de cargas e de passageiros eram saqueados e queimados. Ou seja, um quadro de total e absoluta falta de poder público, que apenas exercia seu papel arrecadador, cobrando tributos.
Em poucos anos, o Rio perdeu a condição de centro político para Brasília e de centro financeiro para São Paulo; o Nordeste passou a atrair turistas que deixavam de vir ao Rio e Vitória retirava parte do comércio marítimo, graças a custos portuários mais baixos. A economia local, que já não ia bem, teve seus efeitos negativos acelerados pela própria situação ruim da economia nacional durante a “década perdida”. A política cambial após o Plano Real prejudicou importantes setores como o têxtil e o siderúrgico. O estado teve a maior perda do PIB nacional entre todas as unidades federativas entre 70 e 2006 (segundo o IBGE, a queda foi superior a 30%) e a cidade do Rio teve a maior queda entre as capitais no mesmo período (absurdos 62,5% segundo o IBGE).
Eis o retrato da tenebrosa decadência da economia fluminense.
A chegada do novo milênio parece ter marcado um novo período para a cidade e para o estado. Finalmente, as forças políticas municipais, estaduais e federais se alinharam (é um absurdo isso ser necessário em um sistema federativo, mas enfim…). A sociedade civil voltou a se mobilizar. Novos concursos públicos renovaram os quadros estatais. Os setores públicos e privados retomaram os investimentos. O dinheiro do petróleo deu outro dinamismo à economia regional. O Rio de Janeiro novamente passou a chamar a atenção do mundo ao ter a chance de sediar uma série de grandes eventos.
O estado parece enfim estar reencontrando sua vocação econômica. É o maior produtor nacional de petróleo e gás, possuindo reservas comparáveis às dos principais produtores mundiais. É um importante “hub” logístico nacional, desfrutando de sua localização privilegiada, que permite acessar 50% do PIB em um raio de 500Km.
A sensação de insegurança melhorou com a retomada da soberania territorial por parte do poder público, com instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). É referência nacional no setor audiovisual e na economia criativa. A indústria naval se reergueu. O mercado imobiliário apresentou crescimento impressionante. O setor de sustentabilidade se desenvolveu. Nas áreas de entretenimento, cultura, mídia e esporte, a cidade do Rio de Janeiro, apesar de bem menor, chega a apresentar um número de empregos formais bastante próximo ao existente na cidade de São Paulo.
Segundo a FIRJAN, a renda per capita da segunda maior economia do país mais que dobrou desde 2000, superando a média nacional. A federação industrial fluminense também aponta o estado do Rio de Janeiro como o maior concentrador de investimentos por quilômetro quadrado do mundo, oferecendo inúmeras novas oportunidades de negócios. Abaixo alguns indicadores dessa retomada da economia fluminense:
Porém, de nada adiantará todo esse crescimento pelo qual vem passando o estado, se não houver uma política firme de inclusão social. Não há como pacificar o estado de forma duradoura sem redução das desigualdades, sem melhorar a capacidade de geração de renda das comunidades e sem facilitar a abertura de novos negócios, diminuindo a burocracia pública. Assim, para que o Rio de Janeiro possa estar vivendo um sonho de real transformação e retomada de sua importância e não apenas algo efêmero e concentrado, é preciso:
- Criar condições para que o atual pacto político circunstancial (do alinhamento das três esferas de governo) se torne um estruturante (não se pode depender da necessidade de se escolher sempre o mesmo partido, acabando com o conceito de autonomia);
- Otimizar a prestação de serviços públicos, especialmente os mantidos por concessão (que ainda são um verdadeiro desastre, principalmente na área de transporte);
- Ordenar e regularizar a ocupação do solo, especialmente nas favelas;
- Ampliar e melhor coordenar os esforços dispersos e fragmentados feitos por instituições no sentido de levar o desenvolvimento socioeconômico às comunidades;
- Melhorar os indicadores sociais no Norte e Noroeste fluminense (Campos, por exemplo, tem o pior Ideb – indíce de desenvolvimento de educação básica – entre os 1641 municípios avaliados em 2011);
- Aproveitar os Jogos Olímpicos e elaborar políticas públicas para a área de esportes (que pode formar cidadãos) e de lazer (que integra pessoas);
- Desenvolver social e economicamente a região metropolitana para evitar que a periferia carioca seja a de maior precariedade entre todas as regiões metropolitanas do sudeste;
- Gerar emprego e renda em municípios ainda marginalizados;
- Planejar soluções coordenadas de forma a garantir um desenvolvimento local e regional equilibrado e sustentável;
- Evitar a alta dependência de uma riqueza não renovável, como é o petróleo.
Enfim, é fácil perceber o bom momento vivido pela economia fluminense. Depois de anos de decadência, identifica-se uma cobrança da sociedade por mudanças e uma maior atuação do Poder Público. Nota-se que vários atores estão trabalhando firme para transformar o Rio de Janeiro definitivamente em um lugar melhor para se viver e se fazer negócios. No entanto, é preciso pensar de forma integrada nos objetivos para o estado no longo prazo. Estado e município do Rio precisam integrar os esforços para atenderem à população da região metropolitana. A longevidade da atual bonança dependerá da eficácia da gestão pública sobre inúmeras oportunidades que estão sendo oferecidas.
Até o próximo Kritizismus,
Jorge E F Farah
Dos melhores textos que eu li ultimamente sobre o Rio de Janeiro e sua história recente. Excelente narrativa e diagnóstico, bem como a proposição de alternativas viáveis. Leitura obrigatória aos cidadãos em geral e, em especial, a quem detém o poder decisório. Parabéns, Jorge Farah.
Alexandre,
Já tive a oportunidade de lhe agradecer por tão elogiosas palavras em privado, faço agora em público. Muito obrigado pela força.
Brilhante!para não dizer cristalina.Uma lastima que eu há muito tempo releguei as coisas do Brasil e o Rio de Janeiro não poderia escapar a uma posição de terceiro plano.Isto é não creio em mais nenhuma alternativa para melhora dêsse estado de coisas.Teriamos de conversar muito(eu conheço o Alexandre e sei que êle pensa diferente de min)Porem
a explanação de seu tópico foi sensacional e recomendo a outras pessoas que conheçam do problema e talvez quem sabe…acreditam em uma solução.
Muito obrigado.
Guilherme, agradeço as palavras e espero que você esteja equivocado em relação ao seu sentimento pessimista (totalmente justificável).
Muito obrigado, Jorge E F Farah (JEFF)